Por Octavio Caruso
Quando Emilio (Oscar Martínez) é diagnosticado com Alzheimer, ele e sua família resolvem partir em busca do seu amor de infância.
Dirigido com extrema sensibilidade pela espanhola Maria Ripoll, “Viver Duas Vezes” é daqueles filmes que sobrevivem na mente dias após a sessão, apoiado no talento do grande Oscar Martínez, de “O Cidadão Ilustre” e “Relatos Selvagens”, aborda um tema complicado com leveza e muito humor, sem ser superficial, desaguando num oceano de lágrimas ao final.
Emilio é uma pessoa orgulhosa, a reação dele, logo no início, ao ser flagrado tentando pagar pela segunda vez à garçonete, ou a agressividade no trato com a médica, que piora exatamente quando ele, um professor de matemática (de universidade, como ele enfatiza), precisa responder simples questões numéricas, sintetizam a angústia de quem descobre, no crepúsculo da existência, que desperdiçou tempo precioso na busca por reconhecimento intelectual, deixando se apagar a chama do primeiro amor, a doce Margarita.
É bonita a transição operada no momento em que o médico informa que sua condição de saúde será agravada, que ele terá sua capacidade de resolver problemas afetada, encontramos seu olhar distante em um plano de detalhe, que, imediatamente, conduz o espectador à lembrança mais terna de sua juventude, admirando a bela jovem que entoa despreocupadamente uma canção. No mesmo simbolismo, quando ele pergunta no consultório sobre uma possível solução, a edição nos leva de volta para o passado, talvez o momento específico que o rapaz mais lamente, as costas da menina, que se afasta em câmera lenta, a promessa de um passeio pela areia da praia que jamais aconteceu.
maxresdefault scaled – “Viver Duas Vezes”, LINDO filme que ACABA de entrar na NETFLIX
A pequena Mafalda Carbonell é o ponto alto da produção, vivendo a neta mal educada que não larga o celular, entendendo perfeitamente o timing do humor nas interações mais ásperas, criando situações hilárias de choque geracional. Falas como: “Mãe, leva ele para um asilo, como todo mundo faz”, ou, quando se refere ao pai, “coaching, uma profissão (entre aspas) que ele (o pai) inventou para não admitir que está desempregado”, conseguem vencer o desafio de se manter equilibrada na tênue linha que a torna adorável. Nas mãos de uma atriz mirim menos talentosa, a personagem poderia ser insuportável. Blanca é apenas o reflexo natural do exemplo dado por seus pais, mas, diferente deles, ela se mostra mais emocionalmente madura e, como toda criança, disposta à se adaptar com graciosidade ao novo.
O pai (Nacho López) passa o dia vendendo uma imagem falsa de segurança em vídeos para as redes sociais, e, claro, também não consegue abandonar o celular sequer durante as refeições. O roteiro de María Mínguez se mostra contundente ao reforçar a mensagem crítica aos adultos na reprimenda vazia de significado que ocorre na mesa de jantar, já que ele nem se esforça em agir da forma como prega, defendendo que “temos que viver o momento presente, o aqui e o agora”. A realidade é radicalmente diferente, ele sustenta um relacionamento de fachada com a esposa e abandonou a filha à solidão de babás eletrônicas. O constrangimento na cena é palpável, o avô é uma peça sobressalente naquela estrutura alicerçada em mentiras, da amabilidade frágil e discursos memorizados, ao simples cigarro que a mãe (bela Inma Cuesta) fuma escondido.
No microcosmo familiar estabelecido na obra, representando uma sociedade que exercita cada vez menos a empatia, um terreno inóspito em que o contato humano se tornou algo raro, a mensagem transmitida no belíssimo final é de pura esperança, falando diretamente à emoção de se perceber relevante na jornada de outrem, reconhecer que sua passagem tocou de maneira profunda a vida de quem amamos.
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