Por Nara Rúbia Ribeiro
Antes de iniciar a leitura de um livro, eu o namoro. Aprecio capa, detalhes introdutórios, releio a contracapa… Folheio a obra, displiscentemente, como se o enamoramento se consolidasse nesse ritual. Assim, leio os títulos dos capítulos, as epígrafes… Permito que a obra me envolva.
Foi assim que deparei-me, enquanto me permitia o mencionado ritual que antecede a leitura do livro “Tortura”, de João Marcos Buch, com a seguinte frase de Mahatma Gandhi:
“Deveríamos ser capazes de recusar-nos a viver se o preço da vida é a tortura de seres sensíveis.”
Impactada pela força de tal assertiva, iniciei a leitura da obra.
O livro narra a vida de dois protagonistas: Wagner Ripper, um jovem que cedo decidira dedicar a sua vida à proteção e segurança das pessoas, escolhendo para si a carreira policial, e João Roberto, um advogado também jovem de família abastada, pouco afeito à realidade e às crueldades do mundo, sonhador e boêmio.
Na trama engenhosamente concebida, o destino faz com que as vidas desses dois seres se encontrem de modo traumático: uma cena de tortura. No decorrer do livro, onde o autor tem o cuidado de não construir perfis de vilões ou mocinhos, vemos o quanto a miséria humana é capaz de fazer com que algoz e vítima se tornem, cada qual em sua dor, atores de um drama existencial complexo, aviltante e desolador.
O escritor, João Marcos Buch, que também é juiz de direito em Joinville, Santa Catarina, vale-se do seu conhecimento tanto jurídico quando humanístico, permeando a narrativa com pontuações legais referentes ao caso ficcional.
O autor se vale ainda da própria vida, transferindo aos personagens experiências pessoalmente vividas, transferindo-lhe muitas de suas reflexões e pensamentos sobre a sociedade, em suas gritantes desigualdades, e sobre a ineficácia das políticas públicas de repressão e punição a crimes.
O que leva um homem idealista a torturar e mentir? Como se sentiria tal homem após torturar outro homem, sendo este ato ainda agravado pelo fato de ter pego e torturado “o homem errado”? Como lidar com a culpa? Como superar a dor? Como recuperar o autorrespeito?
E a vítima? Seria ela capaz de superar a dor? Seria ela capaz de ultrapassar as fronteiras do ódio e visitar o perdão? Seria a vítima capaz de também respeitar-se de novo, uma vez que não teve a coragem de denunciar o torturador? Seria coragem denunciar o torturador ou seria loucura? Teria a vítima o direito de colocar toda a sua família em risco para ver punido o seu algoz?
O livro nos leva a infinitas reflexões. O final, fatídico e forte, bem representa a realidade das coisas, despindo-nos momentaneamente da utopia e da esperança. Contudo, passado o impacto da forte cena, resta-nos olhar para outros povos e culturas onde a tortura já foi ultrapassada e se mostra uma nódoa escura e longínqua nas páginas da história. E resta-nos semear um mundo de alteridade, empatia e paz – em nós e a partir e nós. Sempre.
PS:E encerro o livro, neste exato instante, ainda enamorada. E com vontade de visitar a França (ao ler o livro, você entenderá o motivo).
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