É inevitável passar pela vida sem preocupar-se como o tempo. Homens sábios ao longo da história, como Santo Agostinho, debruçaram-se sobre o tema, o que nos faz concluir que nossa relação com o tempo não é simples. No mundo contemporâneo (ou pós-moderno), o tempo é tratado de forma muito específica, diria até fechada, como se fosse algo simples, o que já disse não ser.
Na modernidade líquida, tudo deve ser fluído, pois o que é líquido locomove-se com mais rapidez. O tempo, assim, deve ser utilizado seguindo o princípio da velocidade, ou seja, quanto mais rápido, melhor. Não há espaço para a lentidão, contudo, Milan Kundera nos oferece uma leitura da lentidão diferente da proposta atualmente.
Sentir a vida com tanta fugacidade pode demonstrar apenas a superfície dos sabores que ela oferece. Essa velocidade me parece esconder certo medo em prender-se a situações que a vida nos coloca, como se temêssemos ficar presos a algumas delas e estas fazerem parte do futuro.
“[…] A fonte do medo está no futuro e quem se liberta do futuro nada tem a temer.”
A velocidade é vista como necessária a uma vida bem vivida, em que se busca experimentar o maior número de prazeres possíveis. Dessa forma, a lentidão é um empecilho ao aproveitamento daquilo de bom que a vida oferece, ou no mínimo, um limitador quantitativo.
“A velocidade é a forma de êxtase que a revolução técnica deu ao homem.”
Esse êxtase, em verdade, age como uma droga que nos faz passar pela vida sem senti-la, inconsciente de seu peso, de si mesmo, da vida. Pois, quando nos preocupamos apenas em usufruir das coisas o mais rápido possível, não podemos considerar que temos conhecimento pleno dessas coisas, apenas as aproveitamos superficialmente, mas não conhecemos sua essência.
A relação que o homem contemporâneo tem com o tempo, o faz sempre estar apressado, como se o que estivesse vivendo possuísse prazo de validade e, portanto, devesse logo ser substituído. A velocidade nos diz que há sempre algo novo a ser explorado e, assim, não devemos perder tempo com pequenas coisas.
Dessa maneira, há uma obrigatoriedade em gozar (ter prazer, inclusive sexual) com o maior número possíveis de coisas e no menor tempo possível. Essa cultura hedonista, ou seja, que busca o prazer acima de tudo, define que devo comer tudo, transar com todos, comprar tudo (o que se intensificou no mundo líquido).
Contudo, a velocidade com que fazemos tudo isso nos retira o prazer das pequenas coisas, da simplicidade; retira-nos a capacidade de caminhar despreocupado, sem rumo, sem pressa, contemplando apenas o momento, a companhia, as janelas de Deus, pois:
“Aquele que contempla as janelas de Deus não se aborrece.”
Como podemos aproveitar os detalhes de uma situação, de uma pessoa, se estamos sempre com pressa? No campo sexual, tudo aquilo que retarda o prazer (sedução, conquista, conhecimento, etc.) é visto como negativo; a ideia é transar com uma infinidade de pessoas, dispensá-las mais rápido ainda, para que possamos transar com mais pessoas. Na corrida do prazer não há espaço para a lentidão, o prazer consiste em ser rápido, livre; embora, pareça-me que essa liberdade esconda uma tirania – a tirania das rapidinhas.
Atravessamos a vida sem deixar marcas. Estamos com tanta pressa que não há tempo para deixarmos pegadas que mostrem por onde percorremos. Sendo assim, chegamos rapidamente e rapidamente vamos embora, sem deixar marcas, pegadas ou saudades; leves como penas, nós carregamos apenas nosso corpo, fonte de prazer que se abastece na velocidade. Não há tempo para pensar, já que:
“Quando as coisas acontecem rápido demais, ninguém pode ter certeza de nada, de coisa nenhuma, nem de si mesmo.”
O homem pós-moderno acredita ser livre, mas ao contrário, está submetido a diversas ditaduras, as quais não consegue (ou não quer) enxergar. A velocidade com que devemos conduzir a vida nos retira qualquer possibilidade de reflexão, pois como estamos em estado de êxtase, perdemos o controle sobre tudo ao nosso redor.
Nessa perspectiva, o prazer é apenas a pele morta do que realmente podemos sentir. Passando com tanta pressa pela vida, rapidamente nos esquecemos do que vivemos e, portanto, precisamos de novas experiências para repor o vazio que representa tanta fugacidade.
“Há um vínculo secreto entre a lentidão e a memória, entre a velocidade e o esquecimento.”
É imprescindível à memória a lentidão, pois somente assim, percebemos as idiossincrasias que permeiam as pessoas fazendo-as especiais e únicas. Sendo lentos construímos laços fortes em cada nó, posto que em cada nó há uma amálgama de sentimentos e lembranças.
Todavia, o quanto estamos dispostos a construir esses nós? A velocidade é uma imposição da vida líquida ou uma conveniência que encontramos para esconder a falta de vontade em verdadeiramente nos relacionarmos? Obcecados pela liberdade queremos apenas correr na direção do nosso próprio eu; mesmo que esse eu não represente nada.
“[…] nossa época está obcecada pelo desejo do esquecimento e é para saciar esse desejo que se entrega ao demônio da velocidade; acelera o passo porque quer nos fazer compreender que não deseja mais ser lembrada; que está cansada de si mesma; enjoada de si mesma; que quer soprar a pequena chama trêmula da memória.”
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