Texto de Frederico Lourenço*
Título original: Sexta-feira Santa
Apesar de, no plano racional, me considerar ex-católico e profundamente céptico em relação a todas as religiões, a sexta-feira santa nunca será para mim um dia como outro qualquer.
De manhã à noite o meu pensamento está involuntariamente dominado pela imagem do homem pregado na cruz, esse homem singular portador de três identidades (Filho de Deus; ou apenas um nazareno histórico chamado Jesus; ou somente personagem da narrativa dos evangelistas). A ideia de pregar alguém numa cruz, depois de se lhe ter cuspido em cima e chicoteado de forma cruel, é persistentemente perturbadora, talvez porque nela conseguimos focar a indignação que o conhecimento da história humana nos obriga a repartir por tantas realidades análogas.
Torturas e execuções são o pão quotidiano da humanidade desde que ela deixou de ser constituída por caçadores-recolectores e passou a organizar-se em torno de um modo de vida sedentário. A civilização (não esquecer a ligação etimológica com «civitas») que nasceu da descoberta da agricultura há 12000 anos trouxe no seu encalço a escravatura, a guerra, as hierarquias sociais e a vocação das ideologias políticas e religiosas para cercear a liberdade de pensamento.
Desde então, muitos seres humanos foram torturados e executados (por vezes com crueldades ainda piores do que as sofridas pelo Nazareno); a própria crucificação já era coisa banal no mundo antigo quando Jesus foi crucificado. Basta dar este exemplo: na mesma Jerusalém, no século anterior, 800 judeus sofreram no mesmo dia a crucificação enquanto as mulheres e os filhos eram degolados à vista dos crucificados.
De alguma forma, a imagem da crucificação de Jesus propõe à nossa consideração uma espécie de sinédoque visual do sofrimento humano: é a parte abarcável que nos põe em confronto com um todo inabarcável – pois desse todo fazem parte as masmorras da Inquisição, da Gestapo e da KGB; dele fazem parte genocídios de povos inteiros; dele fazem parte as tragédias de hoje na Síria e no Iraque; dele fazem parte toda a fealdade hedionda do ser humano.
Pensarmos, pois, com toda a nossa compaixão no homem de Nazaré pregado na cruz é, assim, uma pequena tentativa de abarcarmos o inabarcável. É darmos um nome a um sofrimento que é global, milenar e anónimo.
****************
Imagem de capa: a Crucificação de Guido Reni (século XVII), na igreja de San Lorenzo in Lucina (Roma), onde está enterrado Poussin.
O texto foi trazido da página pessoal do escritor, no Facebook, com a sua devida autorização.
Frederico Lourenço é escritor, tradutor e professor universitário português. É grande especialista de línguas e literaturas clássicas, em particular de grego clássico.
Conheça, no site da Companhia das Letras, as obras de Frederico Lourenço, tendo hoje, em destaque, BÍBLIA – OS QUATRO EVANGELHOS.
Um fenômeno solar de grande intensidade pode ocorrer em breve: o superflare, uma explosão energética…
Uma cena no mínimo inusitada aconteceu em um bar de Curitiba na última sexta-feira (13),…
Dezembro chegou, e com ele aquele clima de reflexão sobre o ano que passou e…
Dezembro chegou com aquele clima de férias, e nada melhor do que aproveitar para maratonar…
Imagine abrir um depósito e dar de cara com fitas inéditas de Michael Jackson?! Foi…
Amanda Levi, 23, e Hannah Knoppel, 21, pegaram seus pais de surpresa ao revelar, juntas,…