“Se um beija-flor se aproxima de ti, significa que receberás a visita de alguém a quem amas”

Nesta “quarentena”, parece que sobre nós recaiu o peso das distâncias. A dor de todas as ausências. Talvez a mágoa dos vazios camuflados por falsas presenças daqueles que estão conosco, mas cujo coração está a quilômetros de nós.

Fiquei sozinha em casa nestes dias de isolamento social. Hoje eu me aproximei da janela, enquanto pássaros diversos cantavam ao longe. A luz do dia, raio a raio, segundo a segundo, fazia crer que o céu estaria rebordado de uma beleza descomunal, com flocos de nuvens esparsos formando cascatas e desenhos divertidos no firmamento.

Foi quando tive que prender a minha respiração. Um beija-flor se aproximava da minha janela. Suas penas reluziam sob o sol e a sua serenidade, forjada por milhares de batidas de suas asas por minuto, fizeram com que por alguns segundos eu me esquecesse dos perigos que nos cercam.

Essa presença súbita e furtiva me fez recalcular a órbita de todos aqueles a quem o meu coração hospeda e também me lembrar das palavras que a minha avó sempre dizia: “Se um beija-flor se aproxima de ti, significa que receberás a visita de alguém a quem amas”.

Fiquei meditando em quem poderia visitar-me em pleno isolamento social, e só então fechei os meus olhos e compreendi. Minha vó veio até mim, e perguntou-me se eu queria um bolo frito de polvilho, embora ela há muito tenha partido para outras paragens. Vovó sempre fazia, pela manhã, um café mais fraco – dos meninos – e outro mais forte para os adultos. Meu avô paterno, há tanto morador de outros planos, disse: “Bençoi” – forma abreviada que ele sempre usava para dizer: “Deus te abençoe”.
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Meu avô materno voltou a fazer acrobacias aos 80 anos e, com seu corpo invisível, chutou o travessão da porta da sala.

Meu pai, preso em seu apartamento a uns quilômetros daqui, do nada me chega à cozinha dizendo que quer comer peixe frito. Minha mãe estava com ele e falou que até frita o peixe, mas ele que arrume a cozinha gordurenta depois.

Meus irmãos continuaram a discutir se a falta foi fora ou dentro da área, no futebol imaginário que abre os estádios de um tempo em que a vida parecida correr menos perigo.

Minha filha e meu genro me vieram a gravar vídeos de minha neta e esta gargalhava sem medo. Minha pequenina, hoje com quase cinco meses de idade, gargalha sem cisma, nada preocupada com os espinhos que cravejam de dor e que sangram corações em todo o mundo.

Diversos amigos surgiram na sala debatendo temas da atualidade ou fazendo piada das peripécias da minha cachorrinha. Muitos deles, ria, eu só conheço das redes sociais.

E percebo que a minha avó sempre teve razão. Se um beija flor nos visita, ele pode transbordar a ternura desmedida que há em nós de sorte que já não seja possível enxergar a solidão.

O nosso coração é povoado de amores e, se um beija-flor vem à nossa janela, a alma daqueles a quem amamos,e que por isso mora em nós, parece visitar-nos aqui fora, no plano concreto dos dias. E foi sorrindo, com olhos firmados no abstrato, que eu disse: Benção, vó? A senhora fez o café dos meninos hoje?

Nota da autora: Talvez colibris invisíveis estejam ao seu lado no momento… Talvez as “almas” de quem você ama. Talvez anjos… Talvez energias.
Mas você NUNCA está só.

Imagens via Pixabay






Nara Rúbia Ribeiro - advogada especialista em Regularização de Imóveis, pós-graduanda e Direito Imobiliário. Atua em Goiânia - Goiás. É também editora-chefe da Revista Pazes.