Não é por mal. Um dia, alguém vai fazer você esperar mais do que o suportável. Vai testar a sua paciência mais do que você merece. Vai lhe dar a impressão de que você é uma espécie de brinquedo de montar cujas peças sempre voltam para a caixa. Vai demorar um desaforo para responder a uma mensagem simples no telefone. “Oi. Tudo bem?”. Nada. Depois nada.
E nada de novo. Você vai fazer duzentas conjecturas, imaginar dois mil motivos, um milhão de razões. O celular caiu no bueiro. Só pode! Será um sequestro? Um assalto. Claro! Chamem a polícia! Não, ela perdeu o telefone. Ele ainda está dormindo, faz dois dias que ele dorme. Será? Vai saber? Acontece, ué!
E tudo, tudo para não assumir o óbvio: a pessoa do outro lado não quer falar com você. E ela desaparece assim, exatamente como chegou. Do nada.
A sensação do desprezo na pele é uma barra pesada de ferro pelando. Dói como um murro de canguru na boca do estômago, coice de mula no ego, notícia ruim, estremece como o frio do medo na espinha, tortura como unha encravada no inverno, pedra no rim. Arde feito corte de papel sulfite entre os dedos. Chateia, decepciona, desalenta, broxa. Mas é assim. É da vida. E o melhor jeito de ganhar a vida é não perder tempo com besteira. Deixe passar.
Sentimento de rejeição é coisa que nasce com a gente. Feito as orelhas, o nariz, as unhas. Esteve cá entre nós a vida toda. Lá está você, um bebê adorado em toda a sua fofura, sugando o amor do seio poderoso de sua santa mãezinha. Você não tem olhos nem coração para mais nada. É só ela. A mãe. Sua referência inicial de amor e afeto e aconchego e… posse. Ela é sua, sua e de mais ninguém!
Aí acontece assim. Um dia ela deixa você esperando mais do que devia no berço. Porque vai dar atenção a alguém maior e mais forte. Seu pai, seu irmão mais velho, uma visita, o caminhão do gás. E pela eternidade insuportável de trinta segundos você a espera em seu canto e nada. Você chora, grita, esperneia. E nada ainda. Pela primeira vez na vida o sentimento de rejeição bateu-lhe na cara. Lá no berço. Você pode não se lembrar desse dia. Mas você também não esquece. Você nunca mais esquece. Porque esse sentimento vai tornar e retornar e voltar de novo a lhe dar na cara pelo resto da vida.
Está escrito. Todos haveremos de rejeitar e de ser rejeitados aqui e ali. Eu, você, todo mundo. Todos voltaremos a sofrer a mesma dor inicial da espera no berço. De zero a cento e tantos anos, seremos para sempre pouco mais que bichos loucos às voltas com as delícias e misérias, conquistas e fracassos, sucessos e rejeições da vida. Essa dor é nossa. Estamos juntos! Paciência.
Verdade é que aceitar o sentimento de rejeição é um poderoso exercício de tolerância. O primeiro. Sei aqui dentro, aqui para mim, que quem me rejeita não o faz por mal, apenas tem coisas mais importantes a fazer do que responder às minhas expectativas. Espero, então, que aqueles a quem eu por acaso rejeite também me compreendam e, quem sabe, um dia me queiram bem. Decerto que dói. Mas fazer o quê? O que fazer senão seguir em frente? A rejeição é para os fortes. Dói como a verdade. Mas aceitá-la nos liberta.
Amores não correspondidos não são sinais de que o amor não vale a pena, mas de que o ser amado está em outro lugar que você ainda não sabe. Nem ele. Um dia vocês se encontram por aí e todo sentimento de rejeição restará guardado em velhas gavetas, como as roupas de um bebê que não servem mais.
A quem não perde mais que os segundos necessários de choro e pesar pela rejeição sofrida ou cometida, o tempo é generoso. O dia rende, a noite é franca e a tardinha é uma moça gentil de olhar amoroso. Uma moça que chega e parte, nos aceita e nos rejeita, nos ama e nos esquece. Até a manhã seguinte, a próxima esperança, um novo amor no poente, soprando frio na barriga na Hora da Ave Maria.
Quando o sentimento pálido da rejeição vier, capriche no amor próprio. Ame-se com força, honestidade, empenho. E deixe o resto estar. Desenxabida e envergonhada, a decepção há de partir como chegou. Do nada. Para nada. Por nada.
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