Por João Marcos Buch
Dia desses dei um intervalo no trabalho para como de costume tomar um café. Preparei a bebida e em pé, defronte à janela que dá para o estacionamento dos fundos do Fórum e também para uma quadra de esportes de um colégio vizinho, fiquei matutando com meus botões sobre os casos do dia. Foi quando o assessor entrou e me mostrou um bilhete entregue por um familiar de um detento. Peguei o pequeno pedaço de papel e o abri: “Aqui é a mãe de … Ele está no direito de progredir de regime. Estamos todos com a esperança de que ele venha para casa hoje, para passar o feriado conosco. Meus netos pediram para eu lhe mandar esta mensagem. Espero que o senhor leia.” Olhei para o assessor, que leu meu pensamento e me respondeu que efetivamente o apenado já alcançara o direito à progressão e que inclusive o Ministério Público já havia se manifestado favoravelmente.
Como regra, aquele caso seria decidido apenas na outra semana, mas diante do apelo da família, imediatamente deliberei. O detento tinha 25 anos e cumpria pena por roubo. Segunda constava na sentença condenatória, em uma determinada noite a polícia, avisada de um assalto a uma farmácia, em rondas avistou uma moto em alta velocidade e imediatamente a seguiu, mandando o condutor parar, sendo a ordem atendida. O motociclista teria confessado o delito, com reconhecimento das vítimas. Como tinha passagem por uso de drogas e sem profissão definida, a prisão foi mantida até o julgamento. Depois, com a condenação, o apenado cumpriu mais de dois anos de reclusão, primeiro em regime fechado, seguido do semiaberto e agora se preparava para ir para o regime aberto.
Com o processo na tela do computador, decidi e autorizei a liberação do rapaz para cumprir o restante da pena no regime mais brando, em prisão domiciliar, podendo sair durante o dia para trabalhar e à noite para estudar. Não pretendo aqui discorrer sobre a história de vida desse jovem. A relatar casos como esses, o que venho ao longo desses anos tentando explicar, mesmo que submetido ao Mito de Sísifo e sua condenação eterna de ter que empurrar uma pedra até o topo de uma montanha para toda vez, quando quase alcançado o intento, ver a pedra rolar novamente montanha abaixo até o ponto de partida, é que a prisão não melhora ninguém. O que a prisão faz, especialmente a prisão brasileira, é causar sofrimento, sacrificar pessoas e reduzir a pouca humanidade que nos resta.
Não se pode justificar o injustificável, eu sei, não podemos aceitar passivamente o cometimento de crimes, especialmente aqueles que colocam em risco a vida de outras pessoas, mas o fato é que estamos caminhando na contramão da civilidade, estamos retrocedendo. No lugar de enfrentar o fenômeno da violência, reconhecendo que ela tem origem na concentração da riqueza, na desorganização social, na carência econômica e na ausência de políticas sociais inclusivas, que tenham na educação e na saúde seu eixo, acreditamos que encarcerar é a solução, achamos que prender indiscriminadamente qualquer um que passou para a margem nos fará viver em paz! Ora, estamos construindo muros e nos encastelando em torres de segurança, virando as costas para uma horda de jovens cheios de sonhos.
Aquele rapaz cuja mãe me fez chegar a carta é exceção. Mesmo que tenha vivido a tragédia da pobreza e encontrado o braço penal do Estado para lhe castigar, do cárcere ele manteve a esperança de reencontrar a família, seus entes, seus afetos. Por isso, é possível que ele supere a violência e consiga tornar a vida menos difícil. Fico a imaginar a felicidade daquela família, a alegria das crianças ao escutarem o pai chegando em casa depois de uma longa noite de ausência. Que sejam felizes.
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