PROMISCUIDADE
Ainda menina,
promíscua me tornei a mim.
Amante, a um só tempo,
de quatro homens diferentes,
distintos de sonho e de mente,
com os quais,
alternadamente, eu me deitava.
Alberto reclinava-me sobre seu peito
e me fazia sentir caminhar por outeiros,
enquanto calmamente divagava:
“Difícil é ser próprio e não ver senão o visível!”
e, com ele, lado a lado eu caminhava
e conseguia enxergar, com meus olhos amantes,
a poesia do coração de seu mundo.
Ricardo, a seu turno,
com seu pensamento prensado e sóbrio,
inspirou-me amá-lo de forma centrada e soturna,
Disse-me:
“Acima da verdade estão os deuses”
Mas, gozemos a vida, pois
“Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.”
e, após tocar com a sua mão os meus lábios,
o meu coração partiu, ao partir:
“Não quero”… “seu amor que oprime”
“Porque me exige amor. Quero ser livre”.
“A esperança é um dever do sentimento”.
Álvaro doente se encontrava
quando o conheci.
Mas pude amá-lo e senti-lo.
Encontrei-o sozinho num cais deserto
a olhar o infinito, dizendo-me
do “mistério alegre e triste
De quem chega e parte”.
E, ao ouvir-me a dissertar
as minhas verdades de sonho e de vida,
fitou-me, desiludido:
“Não me venha com conclusões.
A única conclusão é morrer.”
Mas Fernando amou-me
e ensinou-me mais.
Nessa minha confusão de amores,
com a alma obtusa, perdida,
em plena desolação,
Fernando ensinou-me a namorar os meus versos
e esquecer o coração.
“Sentir”, disse ele, “sinta quem lê”…
E ao ver-me intrigada de angústia,
em meio aos meus quatro afetos,
sentindo-me promíscua,
impura, desleal e obscena,
Fernando sussurrou-me ao ouvido:
“Tudo vale a pena,
Se a alma não é pequena.”
Nara Rúbia Ribeiro, dezembro de 2004
Ao meu primeiro “namorado”, Fernando Pessoa.