O homem estava deitado sobre um papelão, rente a uma mureta que separava os espaços de estacionamento de uma clínica e outra, numa rua movimentada do centro da cidade.
O dia era frio e o velho tremia. Escondia o rosto com os braços, como se, de tanta dor e vexame, julgasse por bem abraçar o próprio intelecto, na esperança que este também não o abandonasse de vez.
– Senhor, está tudo bem? O senhor precisa de algo?
Fez que não me ouviu. Sua roupa pouco cobria o seu corpo escasso. Sobravam-lhe unhas encardidas a combinarem com o sujo da pele. Fissuras profundas estavam expostas no calcanhar. Ele era esquálido e fingia não ouvir.
Decidi prosseguir. Logo adiante, uma única lanchonete estava aberta. Olhei o relógio… Eu tinha tempo. Era necessário ter tempo.
Pedi leite e salgados. Pedi que aquecessem o leite. Era frio e o homem tremia.
Voltei à mureta onde o homem ainda permanecia com os olhos tampados.
– Senhor, trouxe aqui um leite e alguns salgados. Parece bom! O senhor aceita? Ele mexeu a cabeça, acenando que não.
– Senhor, posso deixar a comida aqui?
– Não quero nada, pode ir embora.
Deixei a comida e segui caminho, quando percebi que ele se levantou e caminhava enfurecido na minha direção.
Senti que se aproximava e decidi não olhar e também não correr. A certa altura ele para, abaixa a cabeça, vira-se e segue adiante, deixando para trás a comida ali deixada por mim.
O quanto esse homem não terá deixado para trás, ao longo da vida? Quem é esse homem, hoje aos farrapos, com uma alma também rota e dilacerada? Será que julga não merecer ajuda, afeto, atenção? Julga-se acima de tudo e de todos?
Seria um criminoso, seria uma vítima? Ou seria, como todos nós, algoz e messias do nosso próprio destino?
Sempre que volto a esse local, pego-me a procurar esse homem. Mas o mais correto a dizer é que sempre eu o procuro em mim. Sempre.