A inveja é tema de diversos filmes, livros, contos, desde a madrasta da Branca de Neve, até a clássica (suposta) rivalidade entre Mozart e Salieri, Clark Kent e Lex Luthor, Cinderela e suas irmãs, entre tantos outros. Parece que em quase todas as histórias, os “vilões” têm inveja dos “mocinhos” por algum motivo específico.
Sempre que leio textos sobre a inveja, o tema é abordado de uma forma meio distante, meio alheia à nossa realidade, como se os invejosos fossem uma categoria de pessoas desprezíveis que não sabem lidar com o sucesso dos outros, passando a sentir ódio e desprezo pelos ricos, bonitos e bem sucedidos – que, muitas vezes, gostamos de imaginar que somos nós.
No entanto, não acho que as coisas sejam realmente dessa forma. A inveja é um sentimento presente em todos nós, em uma frequência bem maior do que gostaríamos de admitir, mas é uma característica totalmente humana. Foi o psiquiatra Flávio Gikovate quem melhor descreveu isso, em minha opinião.
Ele disse que todos nós sentimos inveja em determinados momentos, porque essa deriva de duas coisas essencialmente humanas: a vaidade e o hábito que temos de fazer comparações com outras pessoas.
A vaidade é um prazer erótico que sentimos ao percebermos que nos destacamos em um grupo social. Então, por exemplo, eu compro um carro novo e com um maior valor em comparação com o grupo no qual convivo, e ao desfilar com esse meu carro novo, sinto um prazer imenso, sinto-me especial perante os olhares alheios.
Esse prazer erótico derivado da vaidade existe em todos nós e já aparece desde criança. Ele é, obviamente, dependente da comparação com os outros. Eu só posso me sentir destacado em relação a outras pessoas, se existirem outras pessoas próximas. Se eu morasse sozinha em uma ilha, de nada adiantaria eu ter um carro lindo e caro, já que esse seria o único.
Dentro de um grupo social em que as condições são mais ou menos parecidas, o destaque pode ocorrer e desencadear esse prazer chamado vaidade.
E a inveja, onde entra? Bem, quando nós nos comparamos com as outras pessoas de nosso convívio e notamos esse destaque na outra pessoa, ou seja, notamos nela algo que nós não temos, mas gostaríamos de ter, sentimos uma humilhação enorme, um sentimento de estar em desvantagem, por baixo.
Então, por exemplo, se eu olho para minha amiga que tem a mesma idade que eu, uma vida mais ou menos parecida com a minha, e vejo que ela tem algumas qualidades que eu não tenho, sejam elas qualidades mais aristocráticas, como beleza e inteligência, sejam qualidades morais, como generosidade, sejam ainda coisas materiais, como um carro, sinto-me por baixo, sinto inveja.
Fica claro que a inveja surge dentro de um grupo social próximo e com condições semelhantes. Creio que isso explique também essa questão de idolatria de determinadas pessoas “famosas”, tão comum hoje em dia. Quando admiramos uma pessoa que vive uma realidade muito distante da nossa, não sentimos inveja, porque nem sequer passa pela nossa cabeça ter ou ser aquilo que aquela pessoa tem ou é.
É mais fácil para as pessoas admirarem esses seres que, de alguma maneira fantasiosa, elas consideram como um pouco acima do humano comum. Os “famosos” são vistos, muitas vezes, como semideuses – e com semideuses a gente não compete. Por isso, posso admirar a beleza de Gisele Bündchen sem me sentir “por baixo”, porque, obviamente, ela é Gisele – quase todo mundo está “por baixo” dela. Agora, minha amiga que está ao meu lado e que anda comigo, gerando mais olhares admirados do que eu já me machuca.
Assim, não há como não sentirmos inveja nunca, porque, para isso, teríamos que eliminar de vez a vaidade, o que não é possível, porque essa é uma característica humana, além de parar de nos compararmos com os outros. No entanto, nós sabemos que grande parte de nossa vida em sociedade é decidida por comparação, com os “melhores” vencendo algumas disputas.
A reação mais comum e imediata que temos quando sentimos inveja é a agressividade, destacou Gikovate. Geralmente, essa agressividade vem de forma sutil, como pequenas agulhadas, comentários aparentemente inocentes, mas que dão aquelas cutucadas. Ou na tentativa camuflada como boa intenção de diminuir o outro, para reduzir essa diferença que vemos entre nós e o outro.
Vale destacar que esse cálculo de valores é feito dentro da nossa cabeça. Assim, pode ser que essa diferença não exista de forma tão acentuada como vemos, porque isso depende muito do valor que damos a nós mesmos, ou seja, da nossa autoestima, e do valor que damos a determinadas características.
Uma moça que se acha muito feita, mesmo que essa não seja a opinião das demais pessoas, pode se sentir muito humilhada diante de uma mulher que ela pode achar muito bonita, mesmo que os outros também não achem isso. A mulher bonita em questão, por sua vez, pode não valorizar tanto a beleza física e se sentir por baixo diante de uma outra que seja mais esforçada, por exemplo.
Isso quer dizer que os valores não são de forma alguma absolutos e têm um alto grau de subjetividade. Eles dizem respeito aos nossos valores pessoais, aos valores sociais vigentes, e à nossa capacidade de avaliar tudo de forma objetiva.
Assim, fica claro que a inveja sempre deriva da admiração, já que não nos sentimos por baixo perante pessoas que já consideramos piores que a gente. “Ninguém chuta cachorro morto”, diz o ditado.
Então, é ingênuo e um enorme autoengano acharmos que existe o grupo de pessoas “do bem” – nós, no caso – e o grupo de pessoas “invejosas”, recalcadas, que não sabem lidar com as próprias frustrações e não podem ver os outros felizes. Nós somos uma salada mista de emoções, contradições, desejos, medos, inseguranças – todos nós – e precisamos ter a humildade de admitir isso, justamente para que possamos crescer.
Mas, afinal, é possível nos livrarmos da inveja? Gikovate fala isso em um vídeo (que vale muito a pena ser visto), explicando que nos livrar de vez, não é possível. Em certa ocasião, ele disse que só existem dois tipos de pessoas no mundo: os invejosos e os mentirosos. O que podemos fazer é aprender a lidar com ela.
Uma boa medida é, ao percebermos que nos sentimos realmente humilhados diante de alguma pessoa, ao invés de descontarmos nela com agulhadas maldosas, podemos nos afastar. Além disso, podemos e devemos aproveitar essas ocasiões para nos conhecer melhor, para descobrir o que realmente é importante para nós, porque, geralmente, aquilo que mais nos incomoda, é o que mais queremos ter ou ser.
Assim, podemos, ao invés de gastar nossa energia para agulhar os outros, investi-la em nos tornar aquilo que realmente queremos ser, pois isso levará a um fortalecimento da nossa autoestima e, consequentemente, diminuirá a diferença que vemos entre os nossos valores – que agora serão altos, segundo nosso próprio critério – e o valor dos outros.
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