As redes sociais vieram para ficar. Pelo menos por algum tempo e no futuro próximo, até que apareça outra coisa capaz de substituí-las, que as torne obsoletas. Por enquanto elas formam o espaço que de maneira mais ampla consegue contemplar a comunicação e a disseminação de informações entre as pessoas, que ali podem interagir e produzir conteúdo. Para o bem e para o mal, as redes sociais não são somente lugar de consumo de ideias ou de informações, mas de sua produção também. Para todos os lados, nos mais variados matizes. Há de tudo onde a diversidade humana emerge com tanta potência.
Daí veio o problema, identificado por Umberto Eco alguns meses antes de sua morte, da “legião de imbecis” que passou a ter voz. Pessoas que antes falavam apenas “em um bar e depois de uma taça de vinho, sem prejudicar a coletividade”. Segundo o filósofo, “normalmente, eles [os imbecis] eram imediatamente calados, mas agora eles têm o mesmo direito à palavra de um Prêmio Nobel”. Além dos imbecis autênticos, autores eles próprios de suas imbecilidades, podemos incluir no mesmo conjunto um sem-número de pessoas facilmente manipuláveis, também imbecis, e que assumem o que alguns vêm chamando de “terceirização do ódio”, sob o comando dissimulado e sofisticado daqueles que sempre tiveram as rédeas da comunicação de massa. E usam, todos eles, de seu espaço nas redes sociais para destilar seus discursos carregados de preconceito, ódio e intolerância.
Sobressai desse fenômeno, embora não com exclusividade, o pensamento binário. Para melhor compreensão, sugiro a leitura de Vladimir Safatle (http://migre.me/te5LR) e de Leonardo Sakamoto (http://migre.me/te5MH). O pensamento binário é praga que campeia a partir de postagens que se proponham ao questionamento ou à crítica de algum acontecimento. Ele reduz qualquer questão à equação 8 ou 80, em manifesta ignorância quanto às infinitas possibilidades (não somente as matemáticas) entre esses dois polos. A repercussão da conjuntura política brasileira e das manifestações de 13 de março, como todos os que frequentam as redes sociais puderam perceber, deu ótimos exemplos desse pensamento binário.
Evidentemente que quando se aponta alguma questão ou se elabora verbalmente a percepção de fatos tão complexos, devem-se levar em conta as exceções que, como exceções, estarão sempre presentes, mesmo que seja apenas para confirmar a regra. O racismo, o apego ao autoritarismo, a intolerância política, esses comportamentos visivelmente impregnados no comportamento das multidões, por óbvio que não representam todos os manifestantes que foram ou que ainda irão às ruas protestar. Também os cartazes bizarros, carregados de violência simbólica ou denotadores de pura imbecilidade, não condizem com o pensamento de muitas das pessoas que aparecem nas fotos que são compartilhadas a esmo.
Entretanto, em face da diversidade de opiniões e de pautas defendidas, não raro antagônicas entre si, o coletivo passa a ter vida própria, caótica mas identificável em muitos de seus aspectos. Logo, quando se fala do comportamento dessa multiplicidade pressupõe-se a observação da multidão e do seu comportamento enquanto massa. Essa tarefa, para quem a ela se propõe, não retira as singularidades em movimento e os interesses e desejos de cada pessoa em particular. São milhões de seres humanos, indivíduos únicos (milhões de universos, diria Raul Seixas) mas que, juntos na rua, formam um outro sujeito, a coletividade em movimento. A cena do filme Tempos Modernos (aos 19’15””) em que o personagem de Charlie Chaplin se vê inadvertidamente envolto por uma passeata oferece uma boa representação desse fenômeno.
Diante da complexidade dos eventos e dos múltiplos encontros que fazem da vida a riqueza que ela é, bem como em função do que tenho como uma necessidade de aperfeiçoamento de nossas relações nas redes sociais, esse ambiente virtual onde sem dúvida passamos parte de nossas vidas, eu gostaria de fazer um convite ao leitor. Mas um convite enquanto despertar da vontade, um convite para o querer juntos.
Nem tudo é o que parece, mas o que parece aquilo que não é, ou que não deveria ser, também pode ser objeto de discussão. Isso significa que a opinião lançada, principalmente quando não está em sintonia com a nossa própria, merece reflexão. É preciso levar em conta que a opinião posta na rede social é – devemos assim supor – fruto de uma reflexão.
O convite é ao pensar. Pensar às vezes pode ser uma atividade difícil, mais ainda quando as verdades parecem estar disponíveis em algum portal de notícias ou em alguma personalidade elevada à condição de oráculo. Pensar é refletir. Escrever também não é tarefa das mais fáceis, diante das sedutoras frases feitas ou de imagens que parecem falar por si, qualquer que seja o polo de radicalidade extrema em que o sujeito se vê ou se coloca. É essencial refletir para, depois, escrever. Pensar antes de compartilhar. Parece ter faltado esse “botão do pensar” dentre aqueles oferecidos nas postagens do Facebook.
Saber usar as ferramentas é outra questão importante. A principal é a linguagem, que deve ser apropriada e exercida de forma a auxiliar na decodificação do pensamento, feito não como repetição de ideias vazias reproduzidas na base no tentador “curtir e compartilhar”.
O convite é para o arrefecimento dos ânimos, tão necessário neste momento em que a população é levada artificial e perigosamente para uma divisão beligerante.
Se o país passa por profundas turbulências na política e nos bastidores dos jogos do poder, com reflexos na economia e em tantos outros campos das relações sociais; se o vazio é o que mais se vê quando se olha para o ambiente político de norte a sul do Brasil, é aí que o diálogo deve preponderar. O diálogo entre pessoas e não contra pessoas; o diálogo que seja horizontal e que seja capaz de levar à edificação de soluções e não ao acirramento de ânimos, perigo desnecessário e que acaba por impor um ainda maior distanciamento entre as pessoas.
A continuar o afastamento dos polos, a persistir o pensamento binário, que começa a dividir amigos e irmãos, em breve poderá não mais existir a possibilidade do diálogo. Haverá muros, como tantos já construídos ou em construção, seja para dividir bairros (como nos condomínios fechados) ou países (triste exemplo atual da Europa que se fecha para os refugiados). Muros que não são metáforas, mas muros reais, com cercas, concreto, tijolo, aço e policiamento reforçado.
O convite é para a escuta. Se todos falam, se todos gritam, ninguém ouve. Ganhar no grito não é ganhar. Que tal ganhar na escuta?
O convite é para a busca de uma agenda comum que tenha por fundamentos aqueles que temos bem definidos na nossa própria Constituição: liberdade, dignidade, democracia, pluralismo político, legalidade. Já não seria um excelente começo?!
O convite é para que possamos continuar conversando, todos, indistintamente. Não ao mesmo tempo, pois conversar tem momentos certos para falar e para ouvir. Aproveitar esse ambiente de comunicação fácil das redes sociais para que haja uma interação de qualidade, com espaço para a irreverência, a ironia, o humor, a necessária divergência e até para o erro. Somos humanos. Julgar menos; compreender mais.
O convite é para a tolerância, para o respeito, para a aceitação da opinião diferente como expressão do outro. O convite é para a aceitação do outro, esse outro que também nos define. A relação é de reciprocidade e a discordância respeitosa de opiniões permitirá a recíproca discordância respeitosa de opiniões, onde, com o diálogo verdadeiro, haverá sempre lugar para a convergência de ideias ou, se isso não for possível, talvez permita um outro convite para fora das redes sociais.
E o convite será então para um jogo de damas na praça, um café ou uma cerveja no bar (não o dos imbecis), e com toda a liberdade para jogar conversa fora.
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