Os mistérios que envolvem o regime de Augusto Pinochet Ugarte (‘O Conde’) no Chile, iniciados em 11 de setembro de 1973 com a derrubada do presidente democraticamente eleito Salvador Allende (1908-1973) em um golpe de Estado, e findando em 11 de março de 1990, quando o povo retomou sua soberania por meio de um referendo, compõem um período marcado pelo desemprego, fome e um futuro incerto.
No seu décimo longa-metragem, Pablo Larraín, cineasta chileno, adentra um dos capítulos mais sombrios da história de seu país. Os dezessete anos de domínio de Pinochet à frente de uma das ditaduras mais brutais da América do Sul são retratados no peculiar e agradável “O Conde”, uma sátira aos anos Pinochet e uma homenagem ao povo chileno resiliente, especialmente àqueles que escaparam à fome por carne humana e à sede animal do ditador por sangue, conhecido pelo título que empresta seu nome ao drama gótico de Larraín.
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Esse tropeço é o alicerce de toda a narrativa de O Conde, desde seu início enigmático até o epílogo carregado de cinismo, retratando a rebelião silenciosa sentida por homens comuns diante das injustiças do mundo, amplificadas em um subcontinente que avança um passo e retrocede três. O roteiro de Larraín, coescrito com Guillermo Calderón, explora os contornos mentais do clã Pinochet, não para desculpar, mas para entender a loucura criminosa do ‘Vampiro da Moneda’, o Drácula dos Andes.
A cena se passa em um ambiente escurecido, com uma melodia alegre tocando em um toca-discos. A câmera percorre inúmeros itens – um livro intitulado “Meu Caminho – Memórias de um Militar”, uma clara paródia de “Minha Luta” (1925), de Adolf Hitler. O ambiente é adornado com inúmeros porta-retratos, móveis antigos e bustos, até que o general desperta no quarto ao lado. Transição para o exterior, onde uma densa névoa paira sobre a sinistra fazenda onde o monstro reside no extremo sul da Patagônia.
Larraín aprofunda-se no conceito da história de O Conde, explicando o aprisionamento de Pinochet em um reino de triunfos passados, relembrando o tempo em que saboreava o sangue de pessoas de todos os cantos do mundo, até ter que abrir mão de seu favorito, o inglês, algo que remete imediatamente ao Império Romano (27 a.C. – 395 d.C.). Forçado a tolerar a seiva dos sul-americanos, que descreve como acre e com aroma canino, um buquê plebeu que perdura nos lábios e no palato por semanas. Jaime Vadell equilibra-se habilmente entre a histrionice exigida pelo personagem e a sobriedade de um vilão decadente, isolado com Lucía Hiriart (1923-2021), interpretada por Gloria Münchmeyer, uma mulher tão perversa e desonesta quanto ele, com quem se casou. O diretor retrata brevemente a vida conjugal dos dois, mostrando sua alegria após saírem da igreja onde se casaram.
Trinta anos depois, o general salva o Chile da infestação bolchevique patrocinada por Allende, tudo com a ironia afiada de Larraín ao apresentar a extensa prole de Augusto e Lucía. Seus filhos conhecem o segredo literalmente monstruoso do pai, sem se incomodarem, assim como não se perturbam com os desvios multimilionários de dinheiro público para 125 contas nos Estados Unidos. À medida que a conclusão se aproxima, Larraín sugere uma conexão improvável (e hilária) entre o Conde e Margaret Thatcher (1925-2013), interpretada por Stella Gonet em uma participação afetuosa. É nesse momento que a fotografia perspicaz de Ed Lachman transita do preto e branco para cores vibrantes, embora sem prometer um futuro mais brilhante para a humanidade – especialmente para sua fração abaixo do Equador.
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Fonte: Filmes & Séries
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