No século 19, o pacifismo passou por três fases, que se distinguem pelo modo como as várias correntes pacifistas explicam as razões da guerra e, conseqüentemente, as formas apropriadas para assegurar a paz.
A primeira fase foi marcada por iniciativas de caráter individual e que resultaram no surgimento de inúmeras “associações para a paz”. Entre elas: a Sociedade para a Paz de Nova York (1815), instituída pelo religioso David Dodge; a Sociedade Americana para a Paz (1828), fundada por William Lade, e a Sociedade Pacifista Européia (1830).
Na segunda fase, o pacifismo foi respaldado nas doutrinas econômicas de livre comércio que consagravam a paz como fundamento do desenvolvimento econômico. Desse modo, influentes economistas liberais contribuíram para a realização de grandes congressos pela paz, como os de Londres (1843), Bruxelas (1848) e Paris (1849).
A terceira fase foi marcada pela ascensão de grupos e movimentos de tendências políticas democráticas, nacionalistas e socialistas. Esses grupos incluíram o pacifismo em seus programas políticos e promoveram importantes eventos em sua defesa, como o congresso de Genebra (que ocorreu em 1867, organizado pela Liga Permanente da Paz) e os congressos de Berna (1868) e Lausanne (1869), além da Segunda Internacional Socialista (1889).
Pacifismo: realismo e utopia
O pacifismo é uma ideologia, enquanto a paz é concebida como um valor. Por esse motivo, as questões referentes à paz e à guerra apresentam até os dias de hoje dilemas filosóficos insolúveis.
Desde suas origens, o principal dilema com que se depararam os movimentos pacifistas foi e continua sendo de natureza prática, relacionado com a incapacidade de superação das soberanias estatais. Ou seja, o ideal pacifista de construção de um Estado universal ou supranacional exigiria a completa anulação das soberanias estatais e isso está longe de se tornar realidade. Seria engano, porém, supor que não houve avanços nessa área.
A ONU
A Organização das Nações Unidas (ONU), por exemplo, mesmo com todas as críticas dirigidas à sua atuação, representa um significativo esforço da comunidade internacional em prol da substituição dos meios violentos por meios diplomáticos.
O emprego de meios não-violentos na solução de litígios expõe, porém, outro dilema para os movimentos pacifistas. Como sabemos, importantes líderes pacifistas, como Mahatma Gandhi, Martin Luther King e Nelson Mandela, defenderam a libertação de seus povos pela adoção de métodos não-violentos. Mas será que esse método é sempre ou infalivelmente eficaz?
Casos mais recentes comprovam que não. Um exemplo é a política de genocídio étnico durante as guerras civis da Bósnia e de Ruanda. Depois de fracassarem todas as negociações diplomáticas, a solução para ambos os conflitos políticos foi obtida mediante a intervenção de forças internacionais, compostas por homens fortemente armados.
Por isso, ao observar esses dois casos, um pacifista pode ter dificuldade em continuar defendendo o princípio de que o uso da força militar é contraproducente para assegurar a paz.
*Renato Cancian é cientista social, mestre em sociologia-política e doutorando em ciências sociais. É autor do livro “Comissão Justiça e Paz de São Paulo: Gênese e Atuação Política – 1972-1985“.
Fonte: UOL