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O Rio Doce, em ação inédita no Brasil, entra em juízo para defender os seus direitos

Sim, você leu direitinho. A ONG Pachamama, que atua na América Latina, ajuizou, no dia 05 deste mês, na Justiça Federal de Belo Horizonte, uma ação em nome do Rio Doce.

Aqui no Brasil, nenhuma lei concede a possibilidade de um rio ingressar em juízo na defesa de “seus direitos”. Contudo, a ONG Pachamama afirma que tratados e acordos internacionais assinados pelo Brasil concedem ao rio o direito à vida e à saúde, e pedem, em nome do rio, o reconhecimento de tais direitos.

Narrada inicialmente em primeira pessoa, como se quem falasse fosse o próprio Rio Doce, o documento apresentado ao juiz para que se iniciasse o processo (petição inicial) é uma peça bastante peculiar. Inicia-se com a citação de um belíssimo poema de Milton Guapo:

A ÚLTIMA GOTA
Nasci no fundo do tempo
Tudo que palpita vida…
Nasceu de mim…
Compadeço da alegria excessiva
Até a tristeza profunda
Sou tênue como
A gota do orvalho
Também sou muito forte
Como o jorro da cachoeira
Participo em tudo que se movimenta
Do sangue até as nuvens
Por isso faço nas veias da terra
Minha principal manifestação, os rios.
Onde buscam em mim
Energia, comida, bebida, lazer…
E devolvem…
Parte minha deteriorada e maltratada…
Estou pensando…
De onde sairá minha última gota…
Espero que não seja dos seus olhos,
Lamentando a minha morte!
MILTON GUAPO
Músico e Escritor

Em seguida, a petição esclarece quem é que busca em juízo o reconhecimento de seus direitos:

“Sou uma bacia hidrográfica federal (86% em MG e 14% no ES), onde está o maior complexo siderúrgico da América Latina e várias mineradoras, e forneço água para 3,5 milhões de pessoas em 230 municípios (PIRH Doce Volume I).
Sou interações mutuamente benéficas entre luz solar, ar, água, terra, animais e vegetais (PIRH Doce Volume I – pág. 46), ou seja, sou relações de vida, sou um ecossistema.”

“Um ciclo sem fim que gera a vida no planeta. Os oceanos são nuvens, que são chuva, que são rios, que são oceanos. Todas as águas são
UMA só água em eterno MOVIMENTO e TRANSFORMAÇÃO. Sou RIO e sou MAR.”

Em seguida, cita precedente histórico em que foi reconhecido a um Rio a possibilidade de estar em juízo e defender-se, sendo consideração sujeito de direitos biocultuarais. A decisão é de uma corte colombiana, em ação ajuizada em defesa do Rio Atrato.

E transcreve tal decisão revolucionária, “pois, reconheceu um rio e as suas comunidades ribeirinhas como uma única entidade. Ela rompeu com a falsa separação entre natureza e cultura e reconheceu a existência de um sujeito de direito biocultural.”

Segundo a ONG, O Brasil ratificou as mesmas normas internacionais ratificadas pela Colômbia: Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais (1989), Convenção da ONU sobre a Diversidade Biológica (1992), Declaração da ONU sobre os Direitos dos Povos Indígenas
(2007), Declaração da OEA sobre os Direitos dos Povos Indígenas (2016) e Convenção da UNESCO sobre a Proteção do Patrimônio Cultural Imaterial (2003). Assim, as comunidades ribeirinhas brasileiras têm os mesmos direitos culturais que foram garantidos às comunidades
do rio Atrato.

A petição evidencia os danos causados ao Rio Doce e requer diversa medidas de recuperação e outras para evitar que novos danos se consolidem.

Após pedir o reconhecimento da personalidade jurídica do Rio Doce, a ação finaliza de modo poético:
Neste dia 5 de novembro, comemora-se o Dia Nacional da Cultura, em homenagem ao nascimento do grande jurista Rui Barbosa. Neste dia, sinto vergonha de mim. Vergonha de ter demorado tanto para levantar a minha voz. Demorado para dar voz ao rio, que me viu nascer. Ao rio que me embalou em suas águas. Ao rio que refrescou o meu corpo e minha alma. Que alimentou os meus sonhos e despertou o meu coração. Não o Rio Doce, a quem dei voz e sofre em Minas Gerais. Mas sim àquele rio que brota de todas as nascentes. Filho da Mãe Terra. Filho do Mar. Falo do riacho que conheci na fazenda onde nasci e que me ensinou o caminho das águas: ser UM SÓ. A este riacho, dedico esta ação. Ele é quem fala por mim. Quisera eu poder pedir ao Judiciário o reconhecimento de todos nós, seres humanos, como filhos da Terra, filhos da Água. Separados apenas por nossas crenças e opiniões, mas unidos na essência que brota de nossos corações. Esta fonte inesgotável de sentimento que dá sentido ao nosso viver. Queria ter tido a coragem de gritar a todo o mundo: viemos do mesmo mar e para ele retornaremos. Somos um rio a caminho de si mesmo. Mas me faltaram forças para bradar esta verdade que agora brado. Então, por isto, sinto vergonha de mim.

Conheça o pedido integralmente clicando AQUI.

Aguardemos para saber o que dirá o Judiciário brasileiro sobre o pedido.

Revista Pazes

Uma revista a todos aqueles que acreditam que a verdadeira paz é plural. Àqueles que desejam Pazes!

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