Texto de Teresa Gouvea
Era dezembro, mês em que paira uma nostalgia estranha junto com uma vontade louca de prometer paz para o ano que se aproxima, era pra ser mais um dezembro com todas aquelas promessas que aguardam nascimento ou ternura. Tinha uma roupa nova no armário, a etiqueta confirmava o desejo de inaugurar o novo, aguardava um retorno que não aconteceu. Na despedida conhecemos o descontrole, a dor, o vazio e a saudade.
Tinha um desejo imenso de congelar a vida, o relógio e as horas, era pra ser um vestibular, depois um passeio e, depois, o uso da roupa nova. Descobrimos que o tempo passando fica tonto, como se tudo ao nosso redor sofresse de uma tristeza que dirige mal nossas pernas e as portas do mundo se estreitassem. O tempo passando virou silêncio misturado com barulho, a gente não aguentava nem um e nem outro, não havia estação que desse jeito no que não havia jeito, cama desajeitada que não trazia sono, comida que não trazia fome.
Tinha uma roupa no armário te esperando e a única certeza no meio disso tudo era que jamais eu poderia medir a dor da sua mãe, ela andava de um lado pro outro, brigava com a cama, falava com Deus e chorava e, no meio disso tudo, te chamava, desacreditando do vazio que aconteceria nos dias que viriam. A dor intensa acontece assim, a gente acorda e pensa que o acontecido não aconteceu.
Meu amor, os dias seguindo me pediam pra achar o que aprender nisso tudo… aprendi com sua mãe sobre esse amor imenso, que atravessa o céu e a lua, que chega na brisa, no passarinho que canta no final de tarde, no latido distante de um cachorro ou, simplesmente, no silêncio de amanhecer e anoitecer com um filho que não está, criando jeitos dele continuar por aqui. Sua mãe me contou da saudade que vira uma oração e um lugar de encontro cotidiano, do direito de lembrar e falar de você, sim, ter uma relação boa com a dor e a saudade somente pode acontecer quando o amor continua na memória.
Te envio a nossa promessa de você existir, nas prateleiras das nossas estantes e das nossas almas, na voz que cala e fala, nas histórias que passeiam em nossos corações, no aceno de mão que se perdeu no entardecer, nos sonhos que viraram brisa, no amor que abraça o mundo.
Tinha uma roupa nova no armário, ela foi trocada, um jeito de dizer que era só sua e não caberia essa inauguração em nenhum outro lugar.
(Com amor, para Anne, que tenha paz onde estiver, para sua mãe, que segue amando, amando e amando, com a nossa promessa de sentir saudades, para que ela fique sempre por aqui…)