Neste mundo já se subtraiu de tudo, inclusive amores. Essa era a especialidade daquele homem curvado, pele alva, olhar fosco e cheiro de cabra suada. Um criminoso sem igual, infalível e sem qualquer inclinação à misericórdia. Cuidado ao vê-lo.
Essa façanha humana se iniciou ainda na infância. Certa noite, insatisfeito com os modos de pai e mãe, subtraiu-lhes os amores. Fez assim com as mãos e repentinamente os amores eram seus, eternamente seus. Ao cabo de uma semana, cada um estava residindo a seu canto, e ele, pobre menino, pularia de casa em casa até os dezesseis.
Assim que controlou a habilidade, usou-a sem piedade.
Onde estivesse, as mulheres apaixonadas se desapaixonavam. Mulheres, essas eram suas vítimas se não únicas, mas prediletas. O ladrão mexia assim as mãos e surrupiava os amores, fazia-os todos seus. Incógnito, deixava-se um instante ao lado da vítima e surpreendia a chama lentamente se apagar, o olhar se desvanecer e lentamente se afundar em lágrimas. Flagrava, assim, a morte do futuro.
Arrependimento? Duas ou três vezes. Mas o que faria? Impossível devolvê-los, pois os amores se consumiam todos nele. Tão bem construídos em outros corações, tão promissores em outros peitos, nele se iam em segundos, desapareciam desacreditados aqueles amores roubados.
Às sextas-feiras, confessava-se frente a um espelho. Olhava-o profundamente e pedia clemência ao seu próprio fantasma. O espectro lhe perdoava, farto de amores.
Um dia, Jacopo, esse era o nome do ladrão de amores, conheceu Catarina. Ela não tinha amores, logo não tinha nada que interessasse imediatamente a Jacopo. O interior gelado de Catarina, contudo, fascinou o ladrão. Jacopo olhava dentro dela e só encontrava o som oco da máquina de bombear sangue, esse é o nome de um coração que não ama.
Enquanto ele olhava ela, ela olhava ele com igual interesse. Ela o via por dentro também, e via restinhos consumidos de amores desconhecidos, feito ossos abandonados. Achava tudo muito interessante, pois aquele homem curvado, pele alva, olhar fosco e cheiro de cabra suada não parecia alguém que amasse tanto.
Ironia da vida, Catarina aqueceu seu peito e passou a amar Jacopo. Primeiro pousou a mão sobre o colo dele e depois lhe confessou o amor. Ele olhou-a novamente por dentro e viu uma pequenina chama flamejante em tom de azul. Nela nascia amor. A um ladrão instigado, aquela chama maravilhosa e fascinante parecia lhe lamber a face. Fez assim com as mãos e então o amor de Catarina agora era dele. Ela rapidamente se entristeceu. Olhou-o por dentro e viu seu amor ser consumido até que sobrassem apenas os ossinhos.
Sexta-feira, Jacopo esteve frente ao espelho para se confessar. No entanto, aquele espelho já não refletia nada e ele não pôde, assim, receber qualquer perdão. Ele rapidamente se entristeceu. O ladrão imperdoável foi encolhendo, encolhendo até que virou apenas uma chama. Foi Catarina quem deu o sopro derradeiro, ffffúúúú, e sorveu a fumaça azeda que ascendeu de Jacopo.
Neste mundo já se subtraiu de tudo, inclusive almas. Essa era a especialidade daquela mulher baixa, pele rosada, olhar triste e cheiro de cânfora.