Durante a Idade Média, costumava-se dizer que o trabalho fortalece o corpo e purifica a alma. Na verdade, o discurso pregado pela classe dominante tinha outro sentido, qual seja, a manutenção da ordem estabelecida, isto é, de servos incapazes de raciocinarem e perceberem-se como capazes de enxergar a sua miserável situação e tentar mudá-la.
Com o capitalismo, o trabalho ganhou dimensões muito maiores. Esse aumento na dimensionalidade do trabalho, em uma sociedade construída sob o pilar da liberdade, deveria ser um elemento libertário do trabalhador, assim como, fonte de bem estar e felicidade. Entretanto, é sabido que o discurso da Idade Média não mudou, apenas trocou-se a fantasia discursiva.
Desse modo, o trabalho ainda é um elemento essencial na manutenção do status quo, o que implica necessariamente dizer, a alienação do trabalhador. A bem da verdade, a situação assume um grau maior de problematização, já que os indivíduos crendo nas promessas da modernidade, possuem expectativas muito maiores do que os antepassados do medievo, e acreditam que essas expectativas serão supridas através do trabalho.
Cria-se, assim, uma sociedade “workaholic”, viciada em trabalha, que vê como heresia qualquer “desperdício” de tempo. “Devemos produzir, devemos produzir” – dizem os mais devotos, pois não existe felicidade dissociada desse estilo de vida para eles. Acredita-se que, sendo um indivíduo extremamente produtivo, indubitavelmente este terá mais sucesso e será mais feliz.
Todavia, essa relação nebulosa com o tempo e, consequentemente, com o trabalho não traz felicidade e, tampouco, cumpre as promessas grandiloquentes da modernidade. Esbarrando em trabalho em cima de trabalho, há uma despersonalização do indivíduo, retirando toda sua capacidade crítica. O homem, assim, torna-se apto apenas em executar funções predeterminadas e repetitivas.
Consumido pelo trabalho, o qual, em geral, não se identifica, mas cumpre, vê-se esgotado física e mentalmente, impedindo-o de executar qualquer atividade que desenvolva o corpo e o intelecto. Logicamente, nem todos se esforçam, a fim de desenvolver as suas potencialidades, mas os que se esforçam, também não são incentivados nessa busca, uma vez que esse vício no trabalho também cumpre a função de padronização.
Sendo assim, não há incentivo ao pensamento livre e criativo, o qual logicamente criticaria uma estrutura tão desumana, pautada tão somente em egoísmo e individualismo. Incentiva-se uma educação que afasta o indivíduo dele mesmo e o torna um apêndice do sistema. Como consequência, passamos a ter uma série de pessoas em lugares errados ou por razões erradas, como a de apenas ganhar dinheiro. Diante disso, a pergunta de Paul Lafargue, feita no século XIX, torna-se pertinente:
“Na nossa sociedade, quais são as classes que amam o trabalho pelo trabalho?”
Posto que, passamos a maior parte do tempo trabalhando, nada mais justo e agradável do que fazer algo que seja aprazível. Entretanto, como já dito, cegos que somos, nos matamos de trabalhar (uma expressão que por si só deveria gerar reflexão) para que possamos esporadicamente ser felizes nos feriados prolongados, os quais demandam um esforço tão grande, que não raras vezes, aumentam ainda mais a fadiga física e mental.
Esquecemo-nos que a felicidade pode estar contida em pequenas porções diárias, proporcionadas, inclusive, pelo trabalho, desde que este seja agregador e humanizador e não desgastante e automatizante. Além disso, é impossível ter uma vida sadia, vivendo sob o jugo de uma interminável linha de produção. Há momentos em que o ócio é necessário e produtivo. Sem o ócio, por exemplo, Newton não teria formulado a sua teoria sobre a gravidade.
Os homens nascem livres, e, contraditoriamente, a sua natureza buscam amarras durante a vida. O trabalho, sob os aspectos atuais, é uma dessas amarras que despersonaliza, desindividualiza e torna o indivíduo acrítico. A produtividade não depende apenas de mais horas de trabalho, mas de condições próprias ao desenvolvimento do indivíduo que produz. E isso, não acontece, quando os homens acendem velas para as máquinas.
“Os operários não conseguem compreender que, cansando-se excessivamente, esgotam as suas forças antes da idade de se tornarem incapazes para qualquer trabalho; que absorvidos, embrutecidos por um único vício, já não são homens, mas sim restos de homens; que matam neles todas as belas faculdades para só deixarem de pé, e luxuriante, a loucura furiosa do trabalho.”
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