Relato algo que é recorrente numa Vara de Execuções Penais e que talvez retrate a miséria humana a qual tenho servido. Em síntese, o sujeito é condenado por tráfico em razão de portar dez pedras de crack numa esquina qualquer. Preso desde o flagrante seu processo chega para ser executado.
Depois de um tempo de regime fechado da pena vai para o semiaberto, conquistando o direito à prisão domiciliar com tornozeleira. Na soltura ele explica que não tem para onde ir, não tem um lar. O assistente social da unidade o encaminha ao centro POP (pessoa em situação de rua). Lá ocorre um desentendimento e o apenado vai parar num bar da esquina. A polícia aparece e retira dele a tornozeleira, mas desta vez por alguma razão não o prende.
No dia seguinte ele vai voluntariamente ao Fórum junto de psicóloga do centro explicar-se e pedir outro lugar para morar. Novamente o assistente é chamado e consegue um albergue mantido por uma instituição religiosa. Nos autos o Ministério Público postula pela revogação da prisão domiciliar e captura do apenado para ser levado de volta à prisão. O juiz nega o pedido e mantem o direito à domiciliar. Mas haverá recurso do Ministério Público e em segundo grau é possível que a ordem seja de retorno à prisão. Em seguida, a Defensoria Pública recorrerá ao Superior Tribunal de Justiça e até mesmo ao Supremo Tribunal Federal, quando um dos dois talvez faça restabelecer a domiciliar.
Nesse conflito a que a Justiça se presta, o apenado, vulnerável em todos os sentidos, fica cada vez mais vulnerável. Espero que sobreviva, que de alguma forma saia da miséria. Assim torço e espero, não apenas por ele, mas por mim, porque a miséria que eu nunca sofri, mas que me habita, um dia tem que me deixar.
João Marcos Buch é juiz de Direito.
Créditos da capa: pixabay
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