“Calma, era só uma brincadeira”, “Você está exagerando”, “Você está surtada”, “Cadê seu senso de humor?”, “Você é sensível demais, relaxa um pouco”, ‘Tá de TPM?”. Toda mulher já ouviu uma frase nessa linha ao ficar chateada com uma mancada ou ao não aceitar algum comentário. Essa técnica de manipulação emocional que desqualifica a pessoa, mesmo que ela tenha razão tem um nome: gaslighting!
A coach e consultora Marcela (nome fictício), de 28 anos, chegou a “pirar”. Apaixonada pelo namorado, era diminuída nas brigas, mas acabava relevando. “Até que eu comecei a perceber algumas incongruências e ficou claro que ele estava mentindo em diversas situações. Quando eu confrontava ele me dizia que eu era louca e que não tinha condições de estar ao lado de alguém porque eu não era capaz disso, que o meu ciúme era doente e que eu não merecia aquela relação. Até quando eu descobri uma traição ele negou e me disse que eu era louca e doente”, conta a consultora.
Quando ela não aceitava ser maltratada, o ex de Marcela sumia por dias e não atendia o telefone. “Isso me fazia sentir muito culpada por ter reagido”, conta. ”Acho que no fundo eu sempre soube que isso era errado na relação, mas não tinha coragem de enfrentar.” Ela buscou ajuda de amigas e na terapia para reverter a situação, até ver que havia vida fora desse relacionamento. “Foi um processo pra eu não pirar, não me achar louca e pra conseguir rir daquilo tudo. Eu só percebi o quanto era grave e descobri que isso tinha nome – gaslighting – uns anos depois.”
Mas por que gaslighting? O nome vem do filme de 1944, Gaslight, da MGM, estrelado por Ingrid Bergman. No filme, ela é uma mulher muito rica com um marido que quer tomar sua fortuna. Ele então bola um plano de fazer com que ela seja considerada louca e internada em uma instituição mental. Maquiavélico, né?
Lembra de alguma cena? Ele faz com que as lâmpadas a gás da casa se acendam e apaguem, convencendo-a de que isso está acontecendo na imaginação dela. Aos poucos ela começa a acreditar que realmente está enlouquecendo.
Essa forma de manipular com o outro pode acontecer em qualquer relacionamento, e também pode partir de uma mulher, numa relação de trabalho, entre pais e filhos. “Mas é muito fácil o homem estar numa relação social de mais poder sendo pai, chefe ou namorado. O pensamento masculino é tido como racional, é como se fosse mais válido, e como se a forma de se expressar da mulher fosse questionável”, explica Aline Travaglia, mestra em Psicologia Social pela PUC-SP e psicanalista lacaniana.
Isso explicaria porque essa queixa é mais comum entre mulheres, afinal, atire a primeira pedra quem nunca disse ou segurou a onda de uma amiga chateada por ser chamada de louca ou implicante ao bater o pé numa questão importante.
Esse tipo de relação só se desenvolve com o envolvimento das duas partes. “É como uma relação sadomasoquista: a tentativa de um acusar e o outro ficar se sentindo culpado e réu de uma situação. A pessoa se vê presa no gaslighting na medida em que depende da aprovação do outro. Se a pessoa necessita que o seu pensamento seja confirmado pelo outro e não se responsabiliza pela própria realidade, ela precisa se dar conta dessa forma equivocada de buscar uma garantia. E tem que sair dessa posição. Se dar conta de que ela é cúmplice do seu agressor é o primeiro passo pra se libertar disso”, diz o psicanalista lacaniano Jorge Forbes.
Então, garotas, se vocês já se viram nessa situação, muita calma nessa hora! Estar mais irritada numa TPM não tira o direito de discordar de alguém, de pedir respeito ou de não achar graça na mancada dos outros com você. “Passar a vida inteira ouvindo que o que você está dizendo não tem nada a ver, não ter voz nas suas relações, ou ninguém ouvir suas formulações é muito agressivo. Por isso é importante entender o gaslighting. Isso faz a pessoa sofrer muito”, completa Aline Travaglia.
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