Por Octavio Caruso
Quando você busca uma lista de sugestões culturais, não faz sentido reclamar da ausência de obras que você já conheça. O óbvio pode ser citado por qualquer apreciador minimamente interessado, não demanda estudo, garimpo, um conhecimento mais aprofundado do assunto. A função mais importante de uma lista é jogar luz na escuridão, indicar pérolas que merecem maior reconhecimento, tesouros que podem vir a se tornar favoritos para o resto da vida. Tento sempre equilibrar filmes mais obscuros e clássicos amados, creio que seja a melhor maneira. Espero que a lista abaixo garanta horas de diversão e, ao final de cada sessão, com o auxílio das minhas análises textuais, proponha reflexões enriquecedoras.
Dirigido por Henning Carlsen e adaptado brilhantemente da obra de Knut Hamsun, o longa dinamarquês fala sobre um escritor miserável e faminto que perambula pelas ruas de Kristiania (antiga Oslo) em 1890, tentando publicar um artigo, que ele considera sua obra prima, em um jornal local. Desesperado após várias tentativas frustradas de conseguir emprego, luta para sobreviver em uma batalha para manter seu orgulho e contra as humilhações e a inanição, que garante delírios constantes e mudanças de humor. As suas tentativas de mostrar-se digno são pontos altos, como após penhorar seu casaco para conseguir dinheiro, percebe bem depois que esqueceu sua caneta no bolso dele, voltando no local e fazendo questão de explicar a um desinteressado dono que aquela caneta era especial para ele, já que havia sido com ela que escreveu sua tese de filosofia em três volumes. Enquanto muitos filmes mostram homens em situações críticas causadas pelo álcool ou drogas, nesta pequena obra prima o sofrimento do protagonista nasce de seu rígido código moral, que o impede de agir da maneira mais racional.
O filme não é sobre uma invasão alienígena, não é sobre o contato com o desconhecido mundo externo. A alegoria apenas injeta suspense, serve na realidade como veículo refinado para uma linda história de amor entre mãe e filha, uma difícil jornada interna de compreensão da dor como elemento inevitável na experiência do amadurecimento, uma declaração libertária de união entre povos, um alerta precioso para a necessidade do diálogo como antídoto contra a agressividade da intolerância. Somos definidos por nossas escolhas, mas caso pudéssemos optar entre sofrer a dor de um amor fadado a ter um fim horrível, ou simplesmente evitar o primeiro encontro com a pessoa, qual caminho escolheríamos? Essa é a questão que o roteiro de Eric Heisserer faz, com plena consciência de que a única resposta humanamente aceitável é a mais sádica, emoções não são forjadas em ambientes assépticos. A protagonista Louise, vivida por Amy Adams, sabe que a dor do término de uma relação, por mais avassaladora que seja a ruptura, não desvaloriza os bons momentos que a antecedem, a mágica interação, a troca de carinho, a força do perdão, pegadas na areia que serão inexoravelmente apagadas pelas ondas. É discutível até que a aceitação lúcida da finitude seja o elemento que verdadeiramente engrandeça a experiência. Sem um ponto final, qualquer frase perde relevância.
A trama começa com o pistoleiro Willet (Warren Oates), chegando a um acampamento de mineração. Ele encontra um jovem (Will Hutchins) que fala e age como uma criança amedrontada. O rapaz explica ao pistoleiro que, durante sua ausência, um dos seus parceiros havia sido assassinado por um atirador desconhecido, após a partida inesperada do irmão de Willet, alguém que atende pelo sugestivo nome: “Coin” (Moeda). No dia seguinte, uma mulher (Millie Perkins) chega ao acampamento e oferece farta recompensa aos dois, caso aceitem guiá-la através do deserto. O clima vai ficando cada vez mais onírico, quando percebemos no longo trajeto que, ao invés de encontrar sinais de que existe uma cidade próxima a ser alcançada, parece que o grupo se afasta cada vez mais da civilização, adentrando uma espécie de limbo existencial, onde as definições de tempo começam a não ter importância. Filmado com luz natural pelo diretor de fotografia Gregory Sandor, generosamente aproveitando a dimensão do cenário, invariavelmente posicionando os personagens como diminutos grãos de areia, potencializando os aspectos metafóricos da jornada de penitência empreendida pelo protagonista, que eventualmente se encontrará com seu outro lado da moeda, com um toque alucinatório sobrenatural.
O filme é dedicado aos jovens de coração. Os adultos são mostrados como insensíveis, inseguros, presos a rituais que seguem sem compreender a razão. A vizinha agride o cãozinho Totó, a menina Dorothy (Judy Garland) tenta contar para os tios, que não dão atenção, ocupados demais em seus afazeres. Os empregados do local, amigos da menina, sugerem que ela adote o medo como modus operandi nessas situações, evitando o problema. Até mesmo o único deles que sugere coragem, acaba se mostrando segundos depois um medroso contumaz. Outro, vaidoso, diz que ainda vão fazer uma estátua dele na cidade, ele quer que seu trabalho seja valorizado. Em apenas cinco minutos o roteiro estabelece o tema principal: a necessidade de manter viva sua criança interna, enfrentando o medo e questionando sempre, ao invés de se apoiar totalmente em muletas existenciais. O grande mágico se revela uma tola farsa. E, da mesma forma que o itinerante, sua versão no mundo real, utilizou uma mentira para fazer com que a menina voltasse para casa, ele faz todos acreditarem que seus desejos estão sendo atendidos, ainda que não da forma como eles esperavam. E qual a forma encontrada? O reconhecimento de outrem. Um diploma para o espantalho, uma medalha para o leão, um relógio em formato de coração para o homem de lata. Eles, adultos inseguros, precisavam apenas do aval alheio, eles já tinham as qualidades que buscavam. Já a menina, uma última frustração como parte do duro aprendizado, o balão que a levaria de volta para o Kansas parte sem ela. Novamente, no auge do desespero, a figura da mãe reaparece. Dorothy, já confortável em sua cama, aprende por ela mesma que na vida real não há respostas fáceis.
A tendência é sempre considerar o antigo como algo melhor, mais refinado, a nostalgia embeleza tudo o que toca. A resposta cinematográfica de Luis Buñuel é ácida e hilária. Tomem como exemplo a subtrama do Monsenhor (Julien Bertheau), que recebe excessiva atenção e zelo de seus anfitriões quando está utilizando seu traje eclesiástico, porém é expulso como um cão sarnento da casa quando está com a simples vestimenta de um jardineiro. A sociedade vive de aparência, do índio na selva ao mais rico empresário, seguindo rituais diários que criam uma falsa impressão de segurança e conforto. As mesmas pessoas que reclamam da violência sensacionalista na televisão, são aquelas que correm para suas janelas quando escutam o som de uma briga. Os mesmos que, em público, passam uma imagem de corretos e reclamam da corrupção na política, são aqueles que aproveitam na malandragem falhas técnicas em sites, comprando ouro pelo valor de um chumaço de algodão, ainda se achando no direito de esbravejar quando as compras são canceladas. Evitam assumir que são, em essência, animalescos seres em evolução constante, perdendo horas discutindo se irão beber vinho tinto ou seco no jantar. O controle está em todos os lugares, no “sentar e levantar” das missas católicas, as religiões confortam exatamente por sua estabilidade ritualística, que se traduz em segurança; na ordem de colheres a serem utilizadas em um jantar refinado, no ato diário de procurar fazer parte de algo, de ser considerado normal. Tudo aquilo que é alvo de reclamação da sociedade é apenas o grito assustado dela ao ver-se no reflexo do espelho. Este é o discreto charme hipócrita da sociedade.
Um vilarejo, microcosmo para a nossa sociedade, recebe a visita de um mágico, uma bela jovem e seu gato de óculos escuros. Com poderes especiais, o felino vê os seres humanos com cores diferentes, de acordo com o caráter e os sentimentos deles, por exemplo, um casal de namorados em intensa cor vermelha, os hipócritas e mentirosos em roxo, resultando em um show de cores vibrantes que garantem ao filme uma estética verdadeiramente única, um tom antirrealista onde os personagens dançam sem música, um agradável sonho lúcido. É interessante constatar que os ilusionistas profissionais da trupe circense atuam exatamente retirando o véu de ilusão/falsidade que move os personagens, o que obviamente não os torna uma unanimidade em popularidade no local, já que o mero vislumbre do gato passa a incitar o pavor daqueles que, até por profissão, precisam defender mentiras. Mesmo sem saber o significado das cores diferentes, grande parte da população se desespera e corre para fugir do alcance dos pequeninos olhos. As crianças, puras, intocadas pela hipocrisia adulta, não se incomodam com esse fenômeno, assim como os avermelhados apaixonados, absortos em suas esperanças românticas. Enquanto os adultos caçam o gato, símbolo da queda de suas máscaras sociais, as crianças protegem o bichinho de todas as formas. Uma das alegorias mais bonitas da história do cinema, que nunca resvala no moralismo panfletário, estimulando uma profunda reflexão humanista.
Quando o diretor Werner Herzog, utilizando o senso de urgência documental da câmera 35mm na mão, registra intrusivamente o confronto do personagem ganancioso de Klaus Kinski com a imponente e imponderável força da natureza, a megalomania ensandecida de Aguirre acaba se mostrando mais ameaçadora que as flechas envenenadas dos índios. A opção pelo realismo estético nessa alegoria poderosa, inspirada em um capítulo real da história da colonização da América Latina, enfatiza a distorcida autoimagem do homem, reforçada pela movimentação assimétrica que remete a um animal acuado, um nobre que enxerga na procriação com a própria filha adolescente o caminho para uma linhagem pura. O contexto é essencialmente doente, o líder conquistador Francisco Pizarro, um analfabeto criador de porcos, dá o tom da deturpada missão conduzida por essa coletividade isolada da civilização, tendo como representação divina e narrador oficial para o espectador o Frei Gaspar de Carvajal, que afirma sem titubear: não importa com quem esteja a razão, a igreja sempre estará no lado do mais forte. A lei da sobrevivência, o domínio do mais agressivo pelo medo, a imposição cultural em terras estranhas, segurando o chicote sempre ao nível dos olhos dos escravos ajoelhados, a fundação da doutrina que ainda hoje se posiciona sobre os mais diversos assuntos, do alto de seus palácios dourados. O nível de falsidade que é necessário para manter o ritual relevante, mantos coloridos, frases repetidas e joias, assim como as roupas elegantes dos conquistadores que dificultam a travessia na floresta mostrada na longa sequência inicial, apenas evidenciam as rachaduras nos alicerces.
Ben, um pai que decidiu se isolar com seus seis filhos, uma vida idílica na floresta, ensinando a prática da caça e incentivando o hábito da leitura ativa, sempre questionadora, uma existência longe do consumismo e de dogmas religiosos e, por conseguinte, longe da cultura do medo e da culpa, campo fértil para que ele tente transmitir os valores que considera mais importantes, na tentativa de formar seres humanos melhores e mais conscientes de suas responsabilidades. Os filhos não são poupados de verdades duras, algo que choca um casal de parentes na mesa de jantar. Os filhos do casal, garotos mais velhos, imersos na engrenagem convencional da sociedade, não podem falar palavrão, comparecem à sala de aula e tiram as notas necessárias, porém, ao serem desafiados, acabam se mostrando menos preparados intelectualmente que a menina mais nova de Ben. O aprendizado autodidata os tornou fluentes em seis línguas, inclusive esperanto, os treinos de sobrevivência tornaram seus corpos resistentes. Ao optar por deixar o sistema, a família se tornou uma ameaça, um reflexo distorcido no espelho dos robotizados escravos. Qual a razão de manter um ritual vazio, reduzindo a despedida de seu ente querido à uma mecânica repetição de textos religiosos sem qualquer relação com a experiência de vida da falecida, que é invariavelmente tratada, ainda que com delicadeza, como mais um número na estatística por um padre que sequer a conheceu? Não seria melhor caminharmos seguros na estrada da lucidez, aceitando sem bengalas a brevidade da vida e aproveitando melhor cada precioso segundo?
A mensagem mais bonita, aquela que ficará na memória semanas após a sessão, fala diretamente a um dos problemas mais sérios na sociedade moderna, ocasionado pela imaturidade emocional: A incapacidade de lidar com os altos e baixos da vida. A obsessão equivocada pela imagem vencedora, uma falsa felicidade meticulosamente trabalhada para impressionar outrem nas redes sociais, mascarando a natureza humana com um verniz frágil. E essa recusa em lidar com a imprevisibilidade das ondas desse oceano acaba ocasionando o extremo oposto, a mais profunda depressão. A dor, a derrota, tem papel fundamental, uma função importante, como na cena em que a Tristeza resolve um problema apenas por ter escutado o desabafo melancólico do amigo imaginário. A Alegria, por si só, não consegue se colocar na pele de quem sofre, ela foge, vira a cara. A maturidade emocional só é alcançada quando a pessoa aprende a equilibrar esses impulsos naturais.
Esse é daqueles filmes que, dois minutos depois do fim, ainda se recuperando do impacto, você tem vontade de aplaudir de pé. Lucio Fulci, diretor pouco valorizado, conseguiu criar um corajoso tratado único sobre temas espinhosos como preconceito, pedofilia, hipocrisia, superstição e religião, sem medo de controvérsias. Vou evitar revelar muito sobre a trama, um tremendo desserviço, especialmente nesse caso. Em um vilarejo dominado pelo misticismo, crianças são assassinadas, conduzindo os policiais na direção de uma bruxa praticante de vodu, vivida pela brasileira Florinda Bolkan. O roteiro abre o leque de possibilidades, mostrando que todos são suspeitos, já que não há sinal algum de qualquer senso de moralidade ou ética nas atitudes dos moradores. Até mesmo as crianças, que acabam sendo vítimas, são apresentadas praticando atos de sadismo, sem nenhum traço de empatia. O único que se mostra puro e bem-intencionado é o padre. Uma das personagens, vivida pela bela Barbara Bouchet, é uma viciada em drogas que busca reabilitação, uma jovem ousada que parece ter uma fixação em se insinuar sexualmente para os meninos da região. O mais interessante é como a história subverte qualquer expectativa, inclusive, visualmente, uma característica simbolizada em uma das cenas mais interessantes na história do Giallo, verdadeiramente inesquecível, um brutal linchamento acompanhado na trilha sonora pela programação exótica de uma estação de rádio. A impressionante sequência ganha ares ainda mais épicos e poéticos em revisão, conhecendo o desfecho da trama.
O filme de Billy Wilder critica ferozmente a falta de ética no jornalismo. Somos apresentados ao jornalista Chuck Tatum (Kirk Douglas), que parece esbanjar arrogância enquanto intenciona encontrar-se com o editor de um pequeno jornal de uma cidade interiorana. Antes de entrar em sua sala, têm sua atenção guiada a um quadro bordado de maneira simples na parede, com os dizeres: “Diga a Verdade”. Surpreende-se ao encontrar o mesmo símbolo no escritório do editor e, com muita atitude, ele se dirige ao velho profissional dizendo: “Sou um mentiroso…. Se eu não tiver notícias a dar, eu vou para a rua e mordo um cão”. Em apenas cinco minutos, o diretor nos introduz de forma brilhante à força motriz da trama: O personagem de Douglas e seu caráter. O jornalista ambicioso sabe que precisa de uma história realmente impactante para pavimentar seu caminho até o sonhado prêmio Pulitzer. De uma forma completamente arbitrária ele acaba conhecendo o drama de um jovem mineiro, vítima de um deslizamento de terra enquanto trabalhava em uma mina. O jornalista começa a atrasar propositalmente o resgate do humilde trabalhador, causando uma comoção nacional. O tema é atual. Basta passear pela nossa programação televisiva vespertina para constatar a mediocridade do jornalismo sensacionalista.
É óbvio o perigo do fanatismo fundamentalista religioso no mundo todo, mas é interessante abordar a realidade desumana em que vivem aqueles que estão inseridos nesse sistema, não por consciente escolha ideológica, pessoas que se acostumaram com uma rotina de medo, culpa e punição, administrada por agentes do ódio. A beleza da esposa, que lava os cabelos numa bacia, enquanto um jihadista aproveita a ausência do marido para flertar com ela. O hipócrita pudor que rege a exigência dele para que ela cubra o rosto, gesto que ela repudia. Essa cena resume o sistema absurdo e dicotômico que esses homens defendem: ele pode se encantar pela mulher casada e desrespeitar o marido dela, mas considera uma provocação ofensiva o simples ato da mulher em exibir sua cabeleira. O véu, ferramenta grosseira de submissão, uma sociedade tão datada quanto os dinossauros, mas com a sorte de não ter sofrido as consequências da queda de um meteoro. O corajoso roteiro apresenta outra personagem que resiste bravamente, uma espécie de bruxa que veste cores vivas, caminha com segurança entre os opressores, impede a passagem de um jipe dos jihadistas, em suma, um elemento verdadeiramente humano inserido naquele cenário desumano. Nessa atitude, a esperança de que algum dia o fanatismo fundamentalista religioso, assim como os dinossauros, faça parte apenas dos livros de História.
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