Nossos sentimentos são complexos, tanto quanto são complexas todas as outras coisas que constroem nossa identidade. Passamos a vida inteira tentando nos entender e, ainda assim, chegamos ao final dela cheios de dúvidas a respeito de nós mesmos. Muitas vezes nos sentimos culpados quando os nossos sentimentos parecem não está em acordo com o que o resto das pessoas diz sentir e nos questionamos se existe alguma coisa de errado com a gente.
A verdade é que a maioria das pessoas não é sincera a respeito dos seus sentimentos e seguem a correnteza, pois temem serem taxadas de anormais ou insensíveis. A sociedade construiu diversos mitos a respeito do amor e estabeleceu comportamentos aceitáveis para aqueles que amam e, ainda que essas “regras” não estejam escritas num código, elas estão implícitas nas relações humanas.
O problema é que o amor toma os contornos do coração que habita e nenhum ser humano ama da mesma forma ou na mesma intensidade, então estabelecer regras de certo ou errado me parece no mínimo injusto. O grande equívoco de nossa sociedade moderna em relação ao amor é esquecer que a experiência de amar é subjetiva e que nós não transformamos nossas personalidades apenas porque amamos. Quem ama, ama com aquilo que é.
No entanto, existem aqueles que se apegam de forma imprudente às regras do “quem ama faz; quem ama não faz” e isso acaba por fazer com que desacreditem do amor, como sendo algo impossível para eles. Ora, se quem ama não mente e meu parceiro mentiu para mim, logo ele não me ama e eu devo desistir dessa relação. Nesse exemplo, as pessoas esquecem que mentir talvez indique um desvio de caráter, mas não falta de amor. E isso se aplica a todos os demais itens dessas listas que alguns inventam como regras a serem seguidas pelos amantes.
O que não posso crer é que possuir defeitos anulem em alguém a sua capacidade de amar ou que a perfeição seja uma exigência para o amor, e é exatamente essa noção que esse idealismo nos transmite. Se nos apegarmos a esses preceitos para amar, então devemos também crer que o amor sempre transforma aquele que o vivencia, e, se acaso isso fosse verdade, não existiria tanta dor nos relacionamentos.
Então, diante de tantas exigências, qualquer pessoa pode se sentir incompetente para amar. Como ela pode sentir amor e ao mesmo tempo ser o que é, fazer o que faz e sentir o que sente? Quem sabe ela seja impaciente, rude, orgulhosa ou vaidosa. Como ela pode sentir que é capaz de amar alguém se é ciumenta, irritada e muitas vezes egoísta? Talvez você garanta que dificilmente existirá alguém com todos esses defeitos, e é possível que esteja certo, mas atire a primeira pedra aquele que pelo menos não possua uma ou mais dessas qualidades ruins.
O idealismo exagerado cria expectativas que provocam frustração; pode fazer também com que os amantes se tornem exigentes, insistindo que o outro adote comportamentos que estejam de acordo com suas perspectivas. No fundo, aquele que faz as cobranças, nem ama a outra, ama uma imagem que ela mesma projeta e que se desfaz quando seus anseios românticos de amor não encontram eco no ser amado.
Amar pode ser uma experiência maravilhosa, mas para que seja assim, precisamos nos livrar de todas as regras que nos ensinaram sobre o amor. Não existe um manual para amar, não existe um mapa pelo qual devemos nos orientar. Cada experiência é única e exclusiva, cada corpo, cada coração é diferente. Podemos amar de mil diferentes formas e mesmo assim ser amor.
Fotografia de Anna O.
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