Estudo comprova: poesia clássica melhora a qualidade de vida de doentes e previne o envelhecimento cerebral

Texto de Fabiola Sanchez publicado originalmente em Super Saudável

O cérebro é considerado a última fronteira do conhecimento sobre o corpo humano. Por sua complexidade – contém 100 bilhões de neurônios, cada um ligado a milhares de outros, formando as chamadas sinapses –, diversas doenças relacionadas ao órgão seguem sem possibilidade de cura. Com o avançar da idade, o cérebro também ‘envelhece’, reduzindo a capaci­dade de absorver no­vos conhecimentos,­ a velocidade dos reflexos e a coordenação motora, o que até pouco tempo associava-se à perda de­ neurônios, mas que­ hoje já se sabe estar relacionado à perda de sinapses. Graças a esta importante descoberta, os cien­tistas foram capazes de identificar medidas para prevenir ou diminuir o risco de envelhecimento cerebral.

A criação de novas sinapses depende do esforço que se exige dos neurônios, e a leitura de livros e os exercícios de raciocínio e de memória induzem à criação de novas conexões entre os neurônios. Estudos mostram que essas medidas, somadas a uma dieta saudável e exercícios físicos, podem rejuvenescer a cognição em até 50 anos e a coordenação motora e os reflexos em até 30 anos. Baseado nesta premissa, um grupo de pesquisadores da Universidade de Liverpool, na Inglaterra, publicou recentemente um estudo no qual foi monitorada a atividade cerebral de voluntários, por meio de equipamentos de imagem, enquanto realizavam a leitura de poesias de autores ingleses clássicos como Shakespeare, Wordsworth e T. S. Eliot, e de poesias atuais, que utilizam linguagem mais moderna.

O teste piloto mostrou que a leitura de poesias clássicas, cujo grau de dificuldade de compreensão é maior, levou a atividade cerebral a altos níveis, assim como gerou maior número de interconexões entre as diferentes partes do cérebro. Os resultados preliminares apontaram, ainda, que ler poesias, em particular, estimula a atividade do hemisfério esquerdo do cérebro, uma área ligada à memória autobiográfica que ajuda o leitor a refletir e reavaliar suas próprias experiências. O professor doutor da Universidade de Liverpool, Phillip Davis, que faz parte do grupo responsável pela pesquisa, explica que a poesia clássica estimula o funcionamento cerebral em diferentes dimensões, envolvendo não só concentração e atenção, mas, principalmente, excitação, sentimento, memória e lembranças, criando novos caminhos mentais, novas formas e conexões. “Os resultados são iniciais”, acentua o pesquisador.

Uma pesquisa anterior, também coor­denada pelo professor doutor Phillip Davis, mostrou a influência da literatura clássica, principalmente poesias, em um grupo de idosos diagnosticados com demência. A intervenção ajudou a avaliar o impacto da leitura compartilhada sobre diversos aspectos da saúde, identificar a percepção dos pesquisadores sobre a influência do engajamento desses idosos em grupos de leitura e identificar alterações nos sintomas da doença devido à participação deles nestes grupos. Embora todos os idosos envolvidos no estudo tenham sido diagnosticados com a doença, os estágios eram variados. Os resultados, concluídos a partir de um conjunto de dados quantitativos e qualitativos, foi de que o engajamento produzido pelo grupo de leitura produziu redução significativa nos severos sintomas da demência e uma melhora importante relacionada ao bem-estar dos pacientes.

A demência é uma perturbação psico­lógica que afeta milhões de idosos, estando muitas vezes associada a doenças como Alzheimer ou Acidente­ Vascular Cerebral (AVC), que destroem as células cerebrais. A doença consiste na progressiva deterioração da função cognitiva. A Universidade de Liverpool mantém um fórum on-line, denominado Centre for Poetry and Science, para facilitar discussões sobre estas duas áreas tradicionalmente opostas, mas que já demonstram sinais de correlação. As informações estão no site www.poetryandscience.co.uk.

Experiência clínica

Embora pesquisas científicas sejam fundamentais para investigar a reação do cérebro a este tipo de estímulo, muitas vezes a sensibilidade leva os profissionais da saúde a introduzirem certas práticas no dia a dia, como auxiliar de tratamentos, com resultados clínicos satisfatórios. É o caso da geriatra Ana Claudia Quintana Arantes, especialista em Cuidados Paliativos do Hospice do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP), que indica a poesia a seus pacientes, incluindo aqueles em fase terminal, para promover melhor qualidade de vida.

“Durante a residência, entrar em contato com as pessoas que estavam no fim da vida era muito difícil, pois havia uma sombra que rondava a morte dos pacientes, com o chamado ‘não tem nada a ser feito’. Para mim isso nunca fez sentido e, desde a época da faculdade, apesar da grande restrição de conhecimento, eu acabava me envolvendo mais com este tipo de paciente”, informa. Como a poesia sempre esteve presente em sua vida, a médica passou a prescrever poesia aos pacientes, pois acredita que os efeitos vão além do raciocínio e considera a arte uma aliada muito poderosa, em termos terapêuticos, para alcançar dimensões que os medicamentos não são capazes de atingir.

Segundo a geriatra, dentro das premissas de cuidados paliativos existe um conceito de cuidado multidimensional, de olhar o ser humano como um ser total e não apenas um órgão que não funciona mais. Por isso, aspectos emocionais, espirituais, sociais e familiares têm de ser considerados no atendimento clínico e hospitalar e, quando se fala de sofrimento, é necessário individualizar o tratamento. “É claro que a poesia não muda o cenário e nem a doença, mas muda, com bastante eficácia, o ponto de vista do doente, permitindo que enfrente fases difíceis com mais suavidade”, esclarece.

A médica Ana Claudia Quintana, que tem entre seus autores preferidos Adélia Prado e Mário Quintana, acrescenta que os resultados e retornos por parte dos pacientes que aderem à leitura são extremamente positivos, pois a poesia os deixa mais confiantes para enfrentarem as fases de dificuldade, além de diminuir a angústia em relação à doença. A especialista comemora o crescimento da área e conta que tem recebido inúmeros colegas no Hospice do HC-FMUSP interessados em especializar-se em cuidados paliativos. “Em breve, o Brasil será um lugar melhor para viver a vida até morrer”, acredita.






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