Publicado originalmente em Jornal USP
Existem consensos e dissensos na educação brasileira. Quais são eles? É consenso ser necessário melhorar os indicadores dos alunos em relação à capacidade de leitura, de escrita e do raciocínio matemático. As divergências surgem ao se discutir o caminho a percorrer.
O Brasil apresenta altas taxas de analfabetismo e de analfabetismo funcional. De acordo com o IBGE, em 2016 existiam 11,8 milhões de analfabetos (7,2% da população), dos quais 14,8% estão no Nordeste e 3,6% no Sul. Dos 27,5 milhões de alunos que se matriculam em escolas públicas municipais, apenas 6,9 milhões chegam ao ensino médio, em escolas da rede estadual.
Com relação à raiz do problema, alguns especialistas justificam o abandono dos cursos em razão dos currículos e da formação precária dos professores. Outros consideram a ineficiência da gestão e atribuem parte das dificuldades à falta de autonomia e à precarização das escolas. Todos concordam com a necessidade de se valorizar o professor por meio de salários dignos, expressão de respeito e consideração.
As análises educacionais frequentemente consideram como parâmetro de avaliação os indicadores de produtividade, o desempenho e o protagonismo dos alunos. Esses indicadores, em grande parte, estão relacionados à inserção dos indivíduos em sociedades competitivas marcadas por mudanças tecnológicas e produtivas e, no caso brasileiro, profundamente desigual. A economia de mercado sofreu profundas modificações de resultado, especialmente, das novas tecnologias. A própria ideia de trabalho teve seu significado alterado exigindo do profissional maior capacidade de resolução de problemas, de tomada de decisões e uma sociabilidade ampliada, segundo padrões bem diversos daqueles conhecidos na sociedade patriarcal (hierárquica, familiar e autoritária).
Frente a esses desafios a educação passou a concentrar esforços no desenvolvimento de habilidades e competências capazes de proporcionar maior e melhor desenvolvimento cognitivo, deixando de lado conteúdos mais informativos e descritivos. O foco da aprendizagem se concentrou nas habilidades e competências voltadas para a resolução de problemas.
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) veio para responder a este desafio. A proposta visa a ampliar a capacidade do estudante em identificar, relacionar, organizar, analisar, comparar, interpretar e compreender o mundo que o cerca. Parece fácil. Não é. Como se ensina o estudante a aprender a pensar, elaborar hipóteses, argumentar e, especialmente, duvidar da pergunta que ele próprio elabora?
A Base não é currículo. A BNCC foi construída considerando o Brasil um país de dimensões continentais, com inúmeras especificidades regionais que dizem respeito às suas populações e, portanto, devem ser tratadas nos currículos estaduais. A construção dos currículos no Brasil é responsabilidade de cada um dos Estados brasileiros. Nada mais justo, porque os contextos e os temas a serem tratados nos currículos estaduais devem responder às demandas específicas de cada uma das regiões brasileiras. Seria muita arrogância não respeitar os Estados: das várzeas inundadas do Amazonas, do agreste sergipano, da vida nas pequenas cidades ou nas megalópoles.
Com relação às fases do desenvolvimento cognitivo dos estudantes, a BNCC procurou dimensionar os desafios desde a mais tenra idade no ensino fundamental até o ensino médio. Em cada etapa a BNCC pressupôs o uso de diferentes linguagens, com graus de complexidade variados: a escrita, a visual, a matemática, a musical, entre outras.
Como adequar a BNCC às escolas do ensino médio com os professores existentes de História, Geografia, Filosofia e Sociologia? Cada um deles teve uma formação específica e, portanto, seus conhecimentos são tributários da área de conhecimento em que se titulou. Evidentemente, se ele for chamado para compor a área de Ciências Humanas, proposta na BNCC, levará consigo a sua formação e estará mais atento aos vínculos com outras áreas. Como isso é possível? A questão central levantada pela BNCC diz respeito a procedimentos cognitivos que podem ser trabalhados a partir de diversos temas e linguagens, respeitando os saberes disciplinares.
A partir dessas breves considerações sobre a BNCC e o currículo, é importante nomear o espaço que não pode ser descuidado pelos educadores. Talvez o mais importante deles para além do letramento e do raciocínio matemático.
Como educar com vistas a um comportamento ético? Usando as palavras tão bem escolhidas por Hannah Arendt, como evitar que “a banalidade do mal” invada mentes e corações? Não basta dizer em sala de aula: seja ético, seja cidadão. Na vida temos que encontrar, a cada passo, a resposta mais prudente e justa para responder aos desafios, fruto de circunstâncias específicas. É necessário ir além de uma verificação empírica de uma hipótese, ou ainda, da análise precisa dos movimentos dos mercados, com vistas a maiores ganhos que perdas. Nem sempre a combinação entre sucesso, na economia de mercado, e justiça, entre os homens, são temas complementares.
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A Base não é currículo. A BNCC foi construída considerando o Brasil um país de dimensões continentais, com inúmeras especificidades regionais que dizem respeito às suas populações e, portanto, devem ser tratadas nos currículos estaduais. A construção dos currículos no Brasil é responsabilidade de cada um dos Estados brasileiros.
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Não há dúvida de que todos os estudantes brasileiros necessitam desenvolver o raciocínio lógico, a leitura e a escrita. Pleno domínio da retórica (da língua, da argumentação) e do raciocínio lógico pode ser uma excelente receita para o sucesso. Mas fica uma questão. Existe a probabilidade da hipótese levantada não ser verdadeira, embora a argumentação possa parecer sólida. E existe, também, a chance da lógica, bem articulada da argumentação, estar mais a serviço da demagogia do que da democracia.
Educar com que objetivo? Para o sucesso? Para a busca da justiça? É fácil dizer: o correto é a conjugação do sucesso e da justiça. Mas nós sabemos que a régua do dinheiro é bem mais flexível que a regra da justiça. Um bom exemplo é o imposto de renda. É frequente o contribuinte estar mais preocupado com seu próprio rendimento do que com o bem comum, expresso na figura do leão, símbolo do imposto de renda.
Esse é o lugar do problema, da ética e da pólis. Ao acompanhar as descrições históricas dos anos que precederam a vitória do nazismo observa-se que, no início dos movimentos político-sociais, os pobres, os refugiados, os apátridas e os desempregados eram uma espécie de não homens. Perigo à vista. Hoje quando somos informados do fato de que navios comerciais não mais recolhem imigrantes no Mediterrâneo, vivemos a mesma equação do passado: não homens estão à deriva.
Sociedades desenvolvidas com bons resultados nas avaliações do PISA, como a Comunidade Europeia e os Estados Unidos, têm colocado dificuldades para receber imigrantes penalizando navios que os recolhem ou aqueles que atravessam a fronteira sem permissão. Não é fácil para a Europa acomodar os 1,8 milhão de imigrantes que chegaram desde 2014, assim como não é fácil para o Brasil acomodar em Roraima a entrada de 416 pessoas/dia, agregando à população local, de 332 mil pessoas, ou seja, 7,5%, de imigrantes em relação à população local. O que fazer?
Imaginem o que significa estar em um navio repleto de contêineres com mercadorias inanimadas e ser levado a optar por não socorrer crianças, homens e mulheres deixando os náufragos morrerem no mar? A decisão é difícil para o marinheiro que recebe ordens e precisa daquele emprego. Obedecer ou não obedecer a regra, imposta por um país em seu porto, pode representar grandes prejuízos ou lucros para as companhias transportadoras, se desembarcarem ou não desembarcarem as mercadorias.
Olhando a história por um outro viés, é justo perguntar: qual o “valor” daqueles imigrantes frente ao valor das mercadorias? “Não homens” têm valor? O lucro ou o prejuízo é fácil de calcular quando se avalia mercadorias. Já o sentimento de justiça é difícil ser medido.
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Educar é criar condições para que cada ser humano saiba construir uma parte, ainda que pequena, do campo da liberdade. O caminho é o diálogo em sua dimensão política, iniciado com a dúvida, com a vontade de ouvir o Outro e com a capacidade de assumir a responsabilidade por atos e decisões.
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Alguma semelhança entre o navegador, funcionário de uma empresa, com o caso de Adolf Eichmann, funcionário a serviço dos nazistas, analisado por Hannah Arendt?
Os elementos são os mesmos do passado, antes da tomada de Hitler do poder: desenraizamento humano, diferenças de culturas, altas taxas de desemprego, falta de competências para avaliar o significado da vida humana e para criar políticas em nível nacional e internacional capazes de responder ao desafio (desigualdade social, conflitos, perseguições e fome). Portanto, é fato que os organismos internacionais e os países com bom desempenho nas avaliações (PISA, por exemplo) não desenvolveram habilidades e competências capazes de encontrar soluções, construir fundos e alternativas para garantir a vida de imigrantes, tirando do mar essas criaturas e evitando, assim, sofrimento e morte. Também é fato que muitos norte-americanos com bom desempenho escolar aprovaram Donald Trump em suas políticas de combate à imigração. Também é fato que Trump prometeu crescimento econômico e conseguiu obtê-lo no curto prazo. Também é verdade que muitos projetos culturais e científicos (baseados em supostas verificações) foram implantados e exportados pela Alemanha, no período nazista, gerando uma das maiores tragédias da história.
Hannah Arendt tem razão. Todos os homens são legisladores, têm livre-arbítrio e responsabilidade política. Educar é criar condições para que cada ser humano saiba construir uma parte, ainda que pequena, do campo da liberdade. O caminho é o diálogo em sua dimensão política, iniciado com a dúvida, com a vontade de ouvir o Outro e com a capacidade de assumir a responsabilidade por atos e decisões. Sem dúvida é necessário saber identificar, analisar, comparar e verificar, mas para além dessas operações mentais, o que permite um juízo reflexivo é a dimensão do debate sistemático fruto de uma discussão na pólis, em âmbito público, no lugar onde transparece o sentido das coisas (muitas vezes obscuro na esfera individual) e permite ao sujeito duvidar (de si e do outro), pensar, amar e agir em âmbito público, primeiro passo para a reflexão sobre o justo em circunstância.
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