Por João Marcos Buch
– Eu procurei sim o assistente social que o senhor falou!
Eu saia do shopping onde tinha ido tomar um café. Era domingo, início da noite, a temperatura caira e tudo indicava que a madrugada seria muito fria. O inverno antecipava-se por sobre o tímido outono que até então havíamos tido. Estava à pé, gostava de andar naquele horário. O caminho para casa, com o vento frio batendo em meu rosto me trazia uma sensação agradável, fazia me sentir mais vivo, mais ligado ao tempo, à cidade, ao mundo. Logo que iniciei meu percurso, um rapaz sentado na calçada, vestindo um moletom com boné e capuz, uma bermuda de tactel e calçando chinelo de dedo, ao me avistar começou a falar comigo, como se estivéssemos já no meio de uma animada conversa.
De início não entendi o que ele queria dizer e nem se realmente falava comigo, pois podia apenas estar a repetir palavras, pensando alto para si próprio. Mas logo lembrei. Ele falava comigo sim. Semanas antes eu o havia encontrado ali naquele mesmo lugar. Na ocasião ele me cumprimentou pelo meu nome e quando parei para responder, antes de qualquer coisa, ele disse que devia muito a mim pois eu o tinha soltado da prisão fazia uns meses, mas que os tempos estavam difíceis e ele, sem casa e sem trabalho, precisava de uma clínica para se tratar, para se livrar das drogas. Os locais que tinha procurado não o haviam aceitado. Na época eu o orientei como fazer, a quem procurar, ele me agradeceu e depois não mais nos vimos. Até agora.
– E você conseguiu ajuda? – Fui direto ao ponto.
– Ainda não, não conseguimos vaga – o rapaz se levantou e me estendeu a mão para me cumprimentar.
Outras pessoas passavam por nós a passos apertados e nos voltavam o olhar, como se fizéssemos parte de uma cena inusitada ou curiosa, diferente. Deviam se perguntar o que o juiz (aqueles que me reconheciam) fazia conversando com um pedinte ou alguém em situação de rua. Sem nos importarmos continuamos nossa conversa.
– Mas então volte lá e diga que eu é que o recomendei – aquele rapaz precisava de uma alternativa.
– Vou fazer isso sim, amanhã mesmo.
– Faça isso.
– Sabe doutor – o rapaz olhou para baixo, como quem conversa com receio da resposta que pode ter – Ontem foi muito difícil, está muito frio, foi bem difícil mesmo.
– Você está querendo dizer que foi difícil dormir na rua? É isso?
– É, mas eu até estou acostumado. Mas nesse frio, ontem foi mais difícil.
Olhei para ele, de bermuda e chinelo de dedo. Eu estava usando sapato, calça, camisa e jaqueta de couro.
– E o centro POP?
– Eu já fui lá, mas tive uns problemas…
– Não precisa me contar, eu entendo – interrompi, não queria que ele achasse que eu o julgava. – E hoje? Você vai dormir aonde?
– Por aí, não sei, perto da praça tem uma marquise.
Levei a mão no bolso.
– Doutor, não parei o senhor para pedir dinheiro.
– Mas eu insisto.
Tirei uma boa nota. Ele levantou a mão para pegar. Quando viu o valor, sua mão com o dinheiro apertado dentro dela foi parar na altura do estômago.
– Meu deus doutor, muito obrigado! Estou com uma fome. Vou agora mesmo comprar uma comida bem boa.
– Faça mais, use esse dinheiro para dormir naquele hotel … que é simples e para viajantes. Acho que não pedem documentação. Se perguntarem de onde é o dinheiro, pode falar no meu nome.
– Não sei nem como agradecer.
– Não precisa. Amanhã volte a procurar o auxílio como lhe disse. E hoje durma aquecido.
Nos despedimos com um forte aperto de mãos. Continuando no caminho de casa, lembrei-me de uma mensagem repassada por minha irmã, sobre neste inverno sempre sair carregando uma muda de roupa a mais para ocasiões como essas. Parei e olhei para trás, não estava mais lá. Eu deveria ter dado minha jaqueta para ele.
João Marcos Buch é juiz de Direito.
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