Conhecer mais da cultura, do pensamento, da mitologia de outros povos, é uma dádiva que amplia a nossa compreensão do mundo e faz expandir o nosso intelecto.
Em razão disso, a Revista Pazes selecionou, hoje, um conto oriental muito peculiar. Trata-se do mito da criação da grande deusa Durga, uma união de forças e de desideratos dos outros deuses, símbolo de integração, força e virtude.
Confiram o conto narrado por Pedro Kupfer:
“A Grande Deusa é criada pelos poderes de Brahmá, Vishnu e Shiva, junto com os devas, ou deuses menores. Ela encarna a totalidade dos poderes divinos, nossas virtudes e força interior, para combater e aniquilar o búfalo-demônio, Mahishasura, que representa o egoísmo e a ignorância. É por isso que Durga-Kali é igualmente chamada Mahishasuramardini, ou a matadora de Mahishasura.
Após mais de 100 anos de guerra, os asuras (demônios) venceram os devas (deuses) e seu líder, o demônio Mahishasura, vencendo o rei dos deuses, Indra, assume todos os poderes dele e dos demais devas: Agni, Indra, Varuna, Surya e Yama. Estes, desolados, vão até Vaikuntha, a moradia do deus supremo, Vishnu, para pedir-lhe ajuda.
Ao ouvir as más notícias, Vishnu, feroz, invocou Shiva e Brahmá. Os três deuses concentram suas forças (shaktis) numa poderosa meditação, a partir da qual cria-se uma luz intensamente brilhante. Os devas igualmente dirigem seus poderes para essa luz, que cresce até assumir o tamanho de uma montanha flamígera, brilhando como mil sóis.
Aos poucos, o brilho da montanha de luz assume a forma de uma belíssima forma feminina, pura e radiante. Ela é Durga, a grande deusa, que personifica a união de todos os poderes dos deuses e semi-deuses juntos.
Shiva entrega a seu tridente (trishula), Vishnu seu disco (chakra) e Brahmá o japamala e o licor da imortalidade (amrita). Os semi-deuses presenteiam igualmente a Durga suas armas e atributos: Varuna dá-lhe a concha, Agni sua lança, Indra o raio, Yama um bastão, Surya seus raios dourados, com os quais a pele da deusa brilha como o próprio Sol. A montanha Himavat presenteia-lhe um leão mágico como montaria.
Brilhando com estes e outros atributos, envolta em luz divina, Devi ri, e seu riso faz os três mundos vibrarem. Sua voz preenche o espaço e seus passos fazem a terra tremer. As montanhas e os oceanos são sacudidos pelo seu riso e sua presença. “Jai Mataji!” (” Vitória para a Grande Mãe!”), gritam os deuses e semi-deuses.
Mahishasura ouve na distância os passos da deusa, que provocam terremotos, e pergunta-se o quê pode estar provocando tamanha comoção. “Eu sou o rei do Universo agora. Quem ousa interromper minha paz? Quem ousa fazer tal barulho em minha presença?”. Voa então em direção à origem do ruído, que se torna cada vez mais ensurdecedor. E, repentinamente, ele a vê. A deusa brilha tanto que sua luz atravessa os três mundos. A terra curva-se sob seus pés e o brilho do seu olhar é tão intenso que ofusca a própria luz do Sol.
Ambos não precisam sequer trocar uma palavra. As tropas asúricas são chamadas e a batalha começa imediatamente. Milhares de elefantes de guerra, centenas de milhares de poderosos demônios e milhões de guerreiros armados até os dentes são invocados por Mahishasura.
O exército, poderoso como o mar enraivecido, ataca a deusa, que simplesmente permanece sentada em seu círculo de fogo. As armas demoníacas não conseguem atingir a deusa. O leão balança a juba, e ela sopra sua concha, produzindo um som aterrorizante e anunciando uma vitória que seria prontamente sua. A cada exalação que ela faz, um novo exército se materializa, prestes para a batalha. As matrikas, as energias de todos os deuses, vêm igualmente em seu auxílo. Finalmente, ela invoca os poderes que os deuses tinham lhe outorgado para materializar Kali, a devoradora do tempo, que é sua forma mais terrível
Durga começa a lutar, matando todos os guerreiros que ousam colocar-se ao alcance de suas armas mortíferas. O campo de batalha torna-se prontamente um amontoado de cadáveres de guerrierros e elefantes, cabeças e membros decepados, armas partidas e rios de sangue.
Ao ver seu exército assim dizimado, Mahishasura solta um grito de ira e assume sua forma de búfalo. Começa a galopar em direção à deusa, matando todos os guerreiros que seu alento de fogo alcança. Aqueles que conseguem fugir da fúria do seu alento e de suas patas, são mortos pelos seus terríveis cornos, que cortam as montanhas de pedra. Seu mugido preenche o universo e faz a terra tremer.
Quando Devi percebe o ataque do búfalo-demônio, concentra novamente suas forças e começa assim uma luta entre eles que, de tão pavorosa, faz os deuses, que a tudo assistem desde o céu, fecharem os olhos.
Devi lança seu laço e prende o búfalo, que instantaneamente se transforma num imenso leão. A deusa corta a cabeça do leão, mas este se transforma em um elefante, que por sua vez é prontamente decapitado por ela. Mahishasura assume novamente sua forma de búfalo e é preso à terra pelo pé de Devi, que corta sua cabeça, vencendo assim a batalha.
Quando o demônio morre, seu exército inteiro se esvai no ar. Então, deuses, devas, gandharvas, apsaras e humanos vem apresentar seus respeitos e agradecimentos, fazendo um puja para ela. “Inclinamo-nos perante ti. És a boa fortuna dos virtuosos, a inteligência nos corações dos eruditos, a fé no coração dos bons, a modéstia no coração dos justos. Que possas sempre proteger o universo.”
O texto acima foi narrado por Pedro Kupfer
Pedro Kupfer nasceu em Montevidéu, Uruguai em 1966. Estuda, pratica e ensina Yoga há mais de 30 anos. Ministra cursos de Yoga muito festejados por seus alunos, aqui na rede inclusive.
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