Sou um leitor assíduo. Antropófago; antropofagia é o ato de devorar cadáveres a fim de tomar posse de suas virtudes. Portanto, devoro livros. Incríveis são as transformações que fazem dentro de mim. É como um alimento mesmo, quando altera nossa carne. O que é bom fica, o que é ruim é defecado.
Consequentemente meu corpo exige de mim a escrita. Não aprendi a escrever. Transformo em palavras os pensamentos mais reais dentro de mim, e nessa ânsia de comunicar-me, escrevo da maneira mais nítida e clara possível. Em seu livro “O Que é a Arte?” Tolstói critica a arte abstrata, aquela que é de difícil interpretação; pois, defende o grande escritor russo, a beleza da arte é se fazer entender, sobretudo transformar em objeto aquilo que o homem sente no íntimo de sua alma. De fato, há milhares de escritores donos de uma estética maravilhosa, admito! – e às vezes até os invejo. Porém, quão desprezível é, um autor escrever uma ideia medíocre de uma maneira grandiosa, e quão formidável é, aquele que escreve uma brilhante ideia de forma simples, que se faça entender entre qualquer homem, dos mais simplórios aos mais intelectuais.
Aconteceu, certa vez, de eu ficar enfeitiçado com algum desses “estetas” da escrita, e tentei escrever um texto desses com muitas palavras e pouca vitalidade. O resultado foi uma falsidade vergonhosa, de tal modo que passei à desprezá-los por completo. Gosto da autenticidade, detesto a falsidade – embora eu seja mesmo um bom farsante, pois “é preciso mentir por misericórdia” como disse o Nelson Rodrigues. Porém, trata-se de um outro tipo de falsidade, quando refiro-me à esses falsos escritores. Quem é escritor de verdade, que escreve com o sangue, e com as próprias vísceras, reconhece logo esses artificias e amantes do Mamon.
Penso e escrevo porque sofro. É a falta que gera a busca. Quem é feliz e completo não preciso de mais nada. Já eu sou um vaso, os pensamentos são as flores. Sou copo, os textos são água. Estômago vazio, os livros são alimento. Não sei mais viver sem escrever. A escrita me deixa mais vivo. Sinto o mundo vibrar mais cintilante quando verto os meus pensamentos em frases. O texto é quem me escolhe. E as palavras possuem uma das virtudes de Deus: são Onipresentes. Não há para onde fugir. É como engravidar: uma vez gestante, mais cedo ou mais tarde o filho tem de nascer, como dizia o Rubem Alves.
Tenho de admitir porém, aquilo que o rei Salomão já havia dito há muito: “Não há nada novo de baixo do céu”. Nada é novo. – um conselho: não acredite em quem se diz um escritor “original”. Se ele não for um leitor e não revelar as fontes em que bebe, não o leve a sério. Sim, isso mesmo! leia o livro “Como Vejo o Mundo” do Albert Einstein e veja a humildade do gênio de reconhecer que a teoria da relatividade não foi invenção sua. O que um escritor faz são variações sobre um tema. Nada mais que isso. Lembre-se: “Não há nada novo”. É o eterno retorno de Nietzsche. Tudo se repete. Não se iluda com “originalidades” alheias. O que são esses “Paulos Coelhos” é isto: sanguessugas invejosos e mentirosos.
Há milhares de livros que já escrevi na minha mente. Ainda não viraram papéis; e talvez, muitos – ou (quem sabe?) todos – nunca o fazem.
Outro dia recebi um elogio de um amigo, dizendo que admirava a quantidade de temas que eu abordo. Respondi que isso era resultado das muitas leituras.
Portanto, se alguém pensa em se meter a escrever, eu aconselho duas coisas (apesar da tenra idade):
Primeiro: não há fórmula, é preciso somente ler muito, e muito, e autores variados. Livre-se do peso de querer ser original.
Segundo: as palavras não foram feitas para enfeitar; quando não tiver o que dizer, não escreva. Pois elas foram feitas precisamente para isto: dizer.
[Willian Ricardo Soares]A
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