Num mundo de mudança, você e eu ficamos envelhecidos com facilidade. E por isso, quem dirige sabe muito bem: quando você está dirigindo teu carro, tem para-brisa e retrovisor. Mas você já notou uma coisa: o retrovisor é menor que o para-brisa – porque passado é referência, não é direção.
Tem gente na vida que dirige com um retrovisor enorme e um parabrisa pequenininho… E ficam “Ah, no meu tempo…”, “Ah, se eu pudesse”. É preciso ter coragem, mas acima de tudo, humildade pra saber que a gente não sabe todas as coisas. Humildade para saber que eu preciso estar permeável àquilo que eu tenho que alterar – e insisto, não é tudo que eu altero – mas o que é possível, é preciso fazê-lo.
Veja só, eu sou da área de Filosofia: Sócrates é uma marca do pensamento filosófico a tal ponto que a filosofia antiga é dividida em pré-socrática, socrática e pós-socrática.
Sócrates é um exemplo de humildade na trajetória da vida: uma pessoa que não envelheceu a cabeça, mesmo ela tendo ficado idosa. Aliás, quem é professor aqui, como eu, de Filosofia, a gente faz uma coisa em sala de aula – no primeiro dia de aula: pra pegar gente arrogante.
Conhece gente arrogante? Que acha que já sabe, que já conhece tudo, que não precisa mais aprender. É aquela pessoa que tudo que você fala ela já viu, sempre fala numa cidade ela já foi, você conta de um filme ela já assistiu.
Aliás, o arrogante costuma dizer o seguinte: tem dois modos de fazer as coisas… O meu ou o errado, você escolhe! Pra pegar gente arrogante assim em sala de aula, eu digo: ‘Gente, pra fazer um levantamento eu queria saber por favor quem aqui já leu algum livro do Sócrates?’.
Sempre tem um que levanta a mão. E bem, Sócrates nunca escreveu nada. Não existe nenhum livro do Sócrates.
Tudo que ele disse está registrado por Platão nos livros do Platão, especialmente nos Diálogos. Não há nada do Sócrates.
Então, nessa hora, eu posso fazer uma coisa com aquele aluno e não perder a oportunidade de pisar nele. Mas isso é anti-pedagógico, isso é tolo, se eu quiser formar uma pessoa, eu não posso humilhá-la: eu preciso formá-la, certo?
E aí eu digo, para não humilhá-lo, o seguinte: ‘Seguinte, talvez você tenha ouvido mal, talvez eu tenha falado Sócrates, talvez você tenha entendido Sófocles, porque do Sócrates não existe nenhum livro’. Aí o aluno diz ‘Ah, é isso mesmo’.
Mas quando a aula termina eu vou até ele e digo o seguinte: ‘Nós dois sabemos o que aconteceu. Não faça isso… Fingir que sabe é uma tolice imensa num mundo de mudanças. Fingir que sabe te deixa despreparado’.
Eu poderia ofender o aluno em público? Claro. Nos tempos já ultrapassados, isso seria chamado de estímulo.
Aliás, tive o professor Honório que na hora de distribuir as provas fazia uma coisa horrorosa: distribuía elas falando a nota em voz alta, por ordem decrescente. ‘Paulo, nota 5!’. Pronto, você já se preparava! Se o Paulo era 5, imagina dali pra baixo.
Pra que fazer isso? Há uma regra básica: corrija no privado e elogie em público!
Alguém que quer formar outro, corrija sem ofender, orienta sem humilhar. Trata-se de um modo ultrapassado achar que você está estimulando pessoas quando na verdade se está machucando elas. No passado certas práticas eram chamadas de ‘estímulos’. Hoje, chamamos isso, com razão, de assédio moral.
Afinal, fazer alguém sofrer, ser humilhado, aterrorizado é algo desnecessário. Superar, inovar, transformar é a chave. A sorte segue a coragem!
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