Eu ainda não tinha oito anos. O quintal da minha casa, visto por meus olhos infantis, era imenso. Mangueiras, goiabeiras e diversos outros frutos habitavam aquele meu reduto de sonho e de traquinagem.
A goiabeira era o meu destino predileto. Do solo ao topo, a estonteante altura de um metro e meio que eu, a custo, escalava pela metade. Certo dia, ao descer, esbarrei, com o pé direito, em uma borboleta pousada no tronco.
A borboleta ficou inerte e o meu coração parou. Eu acabara de destruir, por descuido, uma beleza que me aprisionava os olhos. O tronco da goiabeira, verde-escuro, contrastava com o seu brancor e denunciava a asinha quebrada. Eu, arrependida do existir, sentia-me a precursora de algum apocalipse. Encostei o indicador na asa fraturada: “Como faço para ouvir o coração da borboleta?”, pensei.
“Será que ela está respirando, Deus do céu”…
Eu me sentei ao pé da goiabeira e o universo inteiro sentou-se ao meu lado. Sóis, planetas, caramujos, galáxias… Todos ali, olhando para mim, uma criança ajoelhada a tentar redimir-se do caos que causara. Eu queria chorar, mas o mais urgente era compreender a dor de residir em um mundo em que a inocência causa feridas a si mesma, em que a beleza é efêmera, em que a dor por vezes é tão intensa que nenhuma lágrima lhe pode dar voz.
Segurei a borboleta pela outra asa e a coloquei na palma da mão esquerda. Vi, caída no chão, uma colherzinha plástica que eu usava para cavoucar a terra e a coloquei sobre essa colher, em solene observação.
Minutos depois, corro para casa:
“Mãe, a borboleta. Eu pisei a borboleta e ela estava morta. Morta. Mortinha. Ela não tinha nem respiração. Mas eu coloquei a borboleta na colher e fiz a oração de reviver borboleta e ela saiu voando de novo, mãe, e voou até o lado de lá do muro. É um milagre, mãe! Não é milagre? Uma borboleta reviver assim?”
A minha mãe me pegou pela mão e fomos ver o lugar e as circunstâncias do referido milagre. Incrédula, como de regra toda mãe o é.
“Filha, a borboleta está aqui na colherinha. Você se enganou.”
Percebi que a minha mãe recriminava-me por minha inverdade. Pensei: “Será que explico ou não explico?”, e tive pena. Ela talvez já pudesse entender.
“Não, mãe. Eu não me enganei. O milagre é a borboleta viver sem o corpo da asinha que quebrei.”
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