Por Luana Castro Alves Perez
Ricardo Reis, ao lado de Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Bernardo Soares, é um dos heterônimos do escritor português Fernando Pessoa. Entre todas as personagens literárias criadas pelo excêntrico e misterioso poeta (o fenômeno da heteronímia justifica o epíteto), Ricardo Reis foi o responsável por dar voz aos poemas de índole pagã.
Influenciado pelos ideais filosóficos greco-latinos, sobretudo pelo epicurismo e pelo estoicismo, Ricardo Reis criou uma poesia em que a harmonia, a clareza, as boas formas de viver, o prazer, a serenidade e o equilíbrio são os principais temas. Recebeu também forte influência do poeta Alberto Caeiro, heterônimo de Pessoa considerado um mestre para os demais. Sua poesia defende o ideal do “carpe diem”, frase do poeta Horácio popularmente traduzida como “aproveite o momento”. Por meio de seus versos, Ricardo Reis procurou atingir a paz e o equilíbrio sem sofrer, considerando a vida como uma viagem cujo fluir e fim são inevitáveis.
Para que você conheça um pouco mais os versos precisos e harmônicos desse interessante heterônimo, o sítio de Português selecionou cinco poemas de Ricardo Reis para você experimentar o estilo neoclássico permeado por alusões mitológicas do poeta. Aproveite o dia e boa leitura!
“Para ser grande, sê inteiro: nada Teu exagera ou exclui”. Versos famosos do poema Põe quanto és no mínimo que fazes, Ricardo Reis
Segue o Teu Destino
Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nos queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-proprios.
Suave é viver só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.
Ricardo Reis, in “Odes”
Amo o que Vejo
Amo o que vejo porque deixarei
Qualquer dia de o ver.
Amo-o também porque é.
No plácido intervalo em que me sinto,
Do amar, mais que ser,
Amo o haver tudo e a mim.
Melhor me não dariam, se voltassem,
Os primitivos deuses,
Que também, nada sabem.
Ricardo Reis, in “Odes”
Estás Só
Estás só. Ninguém o sabe. Cala e finge.
Mas finge sem fingimento.
Nada ‘speres que em ti já não exista,
Cada um consigo é triste.
Tens sol se há sol, ramos se ramos buscas,
Sorte se a sorte é dada.
Ricardo Reis, in “Odes”
Colhe o Dia, porque És Ele
Uns, com os olhos postos no passado,
Veem o que não veem: outros, fitos
Os mesmos olhos no futuro, veem
O que não pode ver-se.
Por que tão longe ir pôr o que está perto —
A segurança nossa? Este é o dia,
Esta é a hora, este o momento, isto
É quem somos, e é tudo.
Perene flui a interminável hora
Que nos confessa nulos. No mesmo hausto
Em que vivemos, morreremos. Colhe
O dia, porque és ele.
Ricardo Reis, in “Odes”
Tenho Mais Almas que Uma
Vivem em nós inúmeros;
Se penso ou sinto, ignoro
Quem é que pensa ou sente.
Sou somente o lugar
Onde se sente ou pensa.
Tenho mais almas que uma.
Há mais eus do que eu mesmo.
Existo todavia
Indiferente a todos.
Faço-os calar: eu falo.
Os impulsos cruzados
Do que sinto ou não sinto
Disputam em quem sou.
Ignoro-os. Nada ditam
A quem me sei: eu ‘screvo.
Ricardo Reis, in “Odes
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