Anton Tchekhov foi um dos maiores escritores da literatura russa. Seus contos, em particular, marcaram um antes e um depois em todos os países ocidentais. Sua maior virtude foi dar relevância ao comportamento dos seus personagens e à interação entre eles, no lugar do argumento da história em si.
Era, portanto, um grande observador do comportamento humano. Tinha a capacidade de capturar uma atmosfera com absoluto realismo e destacar esses detalhes que para outros autores passariam despercebidos. Sua intenção não era moralista, mas ainda assim, dentro do seu legado encontra-se uma carta que dirigiu ao seu irmão mais velho onde indicava uma série de conselhos.
A carta foi escrita durante uma de suas estadias em Moscou, e nela Tchekhov compila o que considera as características das pessoas verdadeiramente cultas. É também um texto que serve de orientação e guia sobre as virtudes mais elevadas do ser humano. Em seguida, mostraremos quais são esses conselhos e compartilharemos algumas partes do seu texto.
Para Tchekhov, as pessoas verdadeiramente cultas: “Respeitam a personalidade humana e, por isso, são sempre amáveis, gentis, educadas e dispostas a ceder diante dos outros. […] Se vivem com alguém que não consideram favorável e o deixam, não dizem “ninguém poderia viver com você”.
Uma característica distinta da cultura elevada é a consideração no trato com as outras pessoas. Por maiores que sejam as diferenças entre as pessoas, isso não é desculpa para iniciar um conflito ou incorrer em maus-tratos. Na verdade, é prudente evitar o conflito e se afastar no caso das contradições serem irreconhecíveis.
Tchekhov afirmava que as pessoas cultas: “Têm simpatia não apenas pelos mendigos e pelos gatos. Os seus corações doem por aquilo que seus olhos não veem”. Isso significa que são altamente sensíveis ao sofrimento dos outros, inclusive se não o expressam.
Um alto nível de cultura quer dizer um alto nível de compreensão pelas pessoas que sofrem. Inclusive a palavra “cultura” deriva do latim “cultus” e significa “cultivo do espírito humano”. Uma pessoa cultivada não é indiferente às dores dos seus semelhantes.
A respeito dos bens materiais, Tchekhov afirma que as pessoas cultas “Respeitam a propriedade dos outros e, consequentemente, pagam suas dívidas”. No começo, adquirir uma dívida presume um pacto de boa fé. Uma pessoa empresta dinheiro a outra com a expectativa de que seja devolvido nas condições e no tempo acordado.
A forma como uma pessoa manuseia suas dívidas revela muito sobre sua personalidade. Adquirem-se como uma exceção e em função de uma necessidade real e são pagas religiosamente, porque no fundo o que está em jogo é a palavra.
Sobre a mentira e o fingimento, as pessoas verdadeiramente cultas, segundo Tchekhov, possuem as seguintes características: “São sinceras e temem a mentira como ao fogo. Não mentem inclusive nas pequenas coisas. Uma mentira significa insultar quem a escuta e colocá-lo numa posição mais baixa aos olhos de quem fala.”
Não aparentam: comportam-se na rua como em casa e não julgam os seus amigos mais humildes. Não são suscetíveis ao burburinho, nem obrigam os outros a confidências impertinentes. Por respeito aos ouvidos dos outros, calam-se mais frequentemente do que falam.
As mentiras e o fingimento são uma forma de fraude com outras pessoas. A sinceridade, por seu lado, é uma maneira de expressar respeito pelo outro. A autenticidade, por sua vez, é um sinal de valorização própria e de dignidade. Mesmo assim, os rumores e a fofoca não devem estar na agenda de alguém culto, pois essas atitudes são uma forma de diminuir os outros.
Para Tchékhov, uma pessoa culta se afasta de comportamentos vitimistas, que também são uma face do engano. Com respeito a isso ele afirma: “Não se menosprezam por despertar compaixão. Não apertam o cordão do coração dos outros para que eles reclamem e façam algo (ou muitas coisas) por eles.”
Semear compaixão nos outros pode trazer alguns benefícios visíveis imediatamente. Mas, a longo prazo, revela-se como uma estratégia errada, que reflete apenas o pouco respeito que se tem por si mesmo e que alimenta a desconfiança nos outros.
Tchekhov chama a atenção daqueles enganos que aparecem quando uma pessoa tem mais dinheiro ou poder que os outros. Sobre esse ponto, afirma: “Não têm vaidade supérflua. […] Se ganham uns centavos, não se pavoneam como se valessem centenas de rublos, e não ostentam o poder frequentar lugares onde outros não são aceitos”.
Deixar que aflore um sentimento de superioridade, por razões tão passageiras e arriscadas como o dinheiro ou os privilégios sociais, é apenas uma amostra de uma evolução pobre. Esse tipo de pessoa dá mais valor ao ter do que ao ser e depende inteiramente de fatores externos para valorizar a si mesmo.
Cada pessoa no mundo tem um talento próprio. Boa parte da tarefa na vida reside em descobri-lo e cultivá-lo. Tchekhov afirmava que quem é culto: “Se têm um talento, o respeitam. Sacrificam o descanso, as mulheres, o vinho, a vaidade […] Sentem-se orgulhosos do seu talento”.
O talento é um dos grandes tesouros do ser humano. Não é preciso ser um artista célebre, nem um negociante de sucesso para dizer que possui um talento. Às vezes esse dom está nas coisas pequenas, como saber apreciar os outros ou ter facilidade para compreender ou ajudar. Quando se descobre o talento próprio, é necessário conferir-lhe um valor máximo e lutar para desenvolvê-lo.
Tchekhov afirmava que quem é culto: “Desenvolve para si a intuição estética […] Pretendem tanto quanto for possível conter e enobrecer o instinto sexual. […] Querem, especialmente se são artistas, frescura, elegância, humanidade e capacidade de maternidade. […] Não bebem vodka a todo momento, dia e noite, não cheiram os armários porque não são porcos e sabem que não são”.
Essas declarações são um chamado ao controle e uma voz de rejeição diante dos excessos físicos e biológicos. Os seres humanos não são organismos, mas sim pessoas que podem e devem dar sentido ao que fazem, inclusive às ações mais básicas.
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