Mesmo quando o escritor morre, continua apanhando no país.
A estátua de Ariano Suassuna (1917-2014), obra do artista Demétrio Albuquerque, foi depredada no Circuito de Poesia, no centro de Recife (PE). Beijando o chão, tal indigente agredido, encontramos a figura de um de nossos maiores romancistas e dramaturgos, autor de “O Auto da Compadecida”. Suas mãos estão para trás, absolutamente indefeso, pasmo com a gratuidade da violência.
Como alguém pode ser contra a sua literatura? Como alguém pode derrubar uma homenagem a um escritor que nunca fez o mal? Como se indispor com um dos maiores defensores de nosso folclore? Como ferir a historia incorruptível de um realista esperançoso, que jamais trocou o oxente pelo ok?
Ele é o símbolo do amor à cultura nordestina, o avesso da tirania e das representações autoritárias.
Se o ato foi proposital, demonstra que entramos na idade das trevas. O pensamento e a arte estão sendo demonizados.
Se o ato foi inconsequente e o vândalo nem sabia quem era naquela escultura, experimentamos o apogeu do analfabetismo social.
Nenhuma das alternativas traz alívio. Ambas reforçam a ideia de repúdio sem conhecimento de causa, da arrogância sem leitura, da destruição pela destruição.
No Brasil, até as pedras inocentes estão ameaçadas.
Só me resta concordar com Ariano Suassuna: “a humanidade se divide em dois grupos, os que concordam comigo e os equivocados”.
No rio Capibaribe ao fundo, nos galopes do sonho das águas, apesar de tudo, eu posso escutar a risada altiva e orgulhosa dele, como que dizendo que as suas palavras ainda incomodam, que sua obra jamais cairá no esquecimento, que há gente que simplesmente não aguenta tanta verdade num único homem.