Ana Jácomo
Seria bacana se a gente pudesse dissolver a ilusão de que para sermos amados temos que ser outros que não nos habitam. Outros que não somos. Outros que, no fundo, não podemos ser, mas também não precisamos. Ter outras caras. Outros corpos. Outros gostos. Outros sonhos. Outros jeitos. É inútil qualquer esforço de tentar caber onde o nosso coração não está. Onde ele não pode nadar livremente, no tempo e no ritmo das próprias braçadas, aproveitando, feliz, o contato com a vida. Há um desperdício imenso de energia nessa história. É tenso demais viver para agradar, em troca de pertencimento, reconhecimento, alguma afeição. Maquiar as emoções, boicotar a própria essência, trocar a luz natural por luminárias artificiais, bolar planos fantásticos para chegar ao coração de quem quer que seja. Cansa, só de imaginar.
Além de inútil, é perigoso. Perigoso porque dói, mesmo quando faz aumentar nossos índices de popularidade. Nosso catálogo de endereços eletrônicos. Nossas referências no caderno de telefones. Nossa lista de contatos de celular. Perigoso porque requer de nós muito malabarismo emocional para não trairmos as personagens que criamos para atender as demandas alheias. É trabalhoso demais tentar ser o que não se é. Exaustivo. Drenagem pura. E, no fim das contas, o que buscam essas pessoas que queremos que nos amem? Procuram por nós ou pelas pessoas que tentamos parecer? Por nós ou pelas pessoas que querem que sejamos? Se não for por nós, não tem importância alguma. A leveza escoa, assustada, ralo afora. Se não for por nós, não é de verdade.
De vez em quando nós lembramos para, em geral, esquecer outra vez pouco depois: o amor não pede esforço. O amor acontece. Somos amados assim do nosso jeito. Assim do nosso tamanho. Assim do nosso lugar. Somos amados como somos, já preciosos. Isso é de uma liberdade que raramente sentimos ser capazes. As pessoas mais interessantes que conheço não fazem sacrifícios para ser amadas. São do jeito delas. Se são amadas, maravilha. Se não, vida que segue, mais a frente os encontros virão e é bem provável que tenham mais a ver com elas. A diferença que conta é que, à parte o amor que possam receber, elas são amadas por elas mesmas. Estão confortáveis por ser como dá para ser a cada instante.
São pessoas que não querem mostrar nada além da espontaneidade que já conseguem. Não querem caber onde lhes falta espaço. Não têm a pretensão de ter montes de amigos: se tiverem um, capaz de amá-las, de verdade, já estão no lucro. Querem amar e ser amadas, sim, desde que cada pessoa tenha liberdade para ser. Nadam no ritmo delas, no tempo delas, nesse mar de águas tantas vezes turbulentas da vida. E consideram cada braçada uma vitória. Uma possibilidade de encontro. Se não acontecer, vez ou outra, continuam contanto com o próprio pertencimento. O próprio reconhecimento. A própria afeição.
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