“A prenda” – um poema de Mia Couto com gostinho de infância

A PRENDA

O menino
recebeu a dádiva.

Era o seu dia, assim disseram.

Estranhou:
os outros dias não eram seus?

Se achegou.
Espreitou.

A oferenda,
era coisa nenhuma
que nem parecia existir.

– O que é isso?, perguntou.
– É uma prenda, responderam.

Que prenda poderia ser
se tinha forma de nada.

– Abre.

Abrir como
se não tinha fora nem dentro?

– Prova.

Como provar
o que não tem onde se pegar?

Olhou melhor.
Fixou não a prenda,
mas os olhos de quem a dava.

Foi, então:
o que era nada
lhe pareceu tudo.

Grato,
retribuiu com palavra e beijo.

O que lhe ofereciam
era a divina graça do inventar.

Um talento
para não ter nada.

Mas um dom
para ser tudo.

Mia Couto

No livro “Vagas e Lumes“, págs. 105 e 106






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