Seguem abaixo algumas belíssimas reflexões sobre a importância do silêncio e o que ele representa a partir da perspectiva do budismo, reflexões da Monja Coen publicadas originalmente em seu blog.
1. Há cerca de dois mil e seiscentos anos, uma grande assembleia se reuniu para ouvir os ensinamentos de Xaquiamuni Buda.
Ele trouxe uma flor em sua mão. Olhou para todos na Assembleia, piscou os olhos e sorriu. Não pronunciou uma única palavra.
As pessoas se entreolharam surpresas. Qual o significado desse sermão silencioso? Apenas uma, entre todas as inúmeras pessoas presentes,o compreendeu, piscou os olhos e sorriu de volta. Era Makakasho, o primeiro discípulo de Buda a receber a transmissão do Darma, a confirmação de que ele era um de seus sucessores diretos, que o compreendia em grande intimidade. Em silêncio e no silêncio os ensinamentos (Darma) assim foram passados de uma pessoa a outra, pela primeira vez. Buda então disse: “Eu possuo a maravilhosa mente de Nirvana (paz, tranquilidade sábia) e a visão que preserva o tesouro dos verdadeiros ensinamentos. Agora, os transmito a você, Makakasho.”
2. Certa feita, Xaquiamuni Buda estava sentado em meditação numa floresta da Índia antiga. Buda e mais de algumas centenas de discípulos.
Um senhor, que queria muito falar com Buda, viera de longe e recebera a informação de que Buda estava nessa floresta. O homem foi adentrando.
Não se ouvia nenhum ruído humano. Será que estariam brincando com ele? Onde estaria Buda e seus inúmeros discípulos? Estava quase desistindo quando, ao dar mais alguns passos, se surpreendeu ao ver uma multidão de pessoas sentadas com a postura ereta , em profundo silêncio. Zazen, meditação só é possível no silêncio.
3. Houve um peregrino que, descontente com o que ouvira sobre os ensinamentos de Buda, resolveu questioná-lo publicamente:
“Se os seus ensinamentos são da lei da causalidade, de que tudo que existe está conectado a tudo o mais e que há causas e condições para que algo se manifeste ou deixe de se manifestar, então, me responda agora, qual a causa primeira?
E Buda silenciou.
Sobre esse silêncio de Buda já se escreveram inúmeras teses explicativas. Mas, Buda apenas silenciou.
Esses três episódios acima são de alguns dos momentos importantes do silêncio dentro dos ensinamentos de Buda:
O silêncio da grande intimidade, do compreender profundo, da transmissão dos ensinamentos.
O silêncio da meditação, do zazen, do aquietar corpo-mente e transcender corpo-mente, penetrando a unidade absoluta, o samadhi dos samadhis.
O silêncio da não dualidade, da integridade. O silêncio da não discussão. O silêncio do silêncio.
…..
Quando silenciamos podemos ouvir melhor.
Quando silenciamos podemos sentir melhor.
Quando silenciamos nos permitimos banhar por todos os sons e por todas as formas.
Mais difícil do que o silêncio da boca, das palavras, dos sons emitidos é o silêncio interno, o silêncio da mente.
Apenas quando a mente silencia podemos entrar em contato com a essência do Ser.
Mas temos por hábito falar e comentar, nos entreter com sons e imagens, fugindo do encontro profundo com a realidade.
Criamos realidades falsas sobre a realidade verdadeira. Queremos acreditar em nossas fantasias e nos incomoda o silencio que permite penetrar no real e cancelar o falso. São armadilhas da mente humana. Buda dizia que “a mente humana deve ser mais temida que cobras venenosas e assaltantes vingadores.” Por isso é necessário conhecê-la. Conhecer a própria mente. Para isso há o caminho do silêncio. O caminho de aquietar as oscilações mentais.
Estamos muito acostumadas ao entretenimento. Mantendo a televisão, radio, computador, facebook celulares, ligados o tempo todo.
A mente está ligada o tempo todo, sim, mas entre pensamentos há espaços vazios e não estamos acostumadas a observar esse vazio.
Ao entrar em uma sala, observamos os móveis, as pessoas, janelas, cortinas. Raramente percebemos os espaços vazios, os espaços entre as pessoas, entre os móveis. Os espaços entre as falas, os espaços entre os pensamentos. As pausas na música fazem a música melhor. Há pausas em nossas conversas. Podemos dar importância a essas pausas, a esses espaços vazios, ao silêncio. Sem ele não há musica, não há pensamentos, não há nem mesmo o nada.
O silêncio e o som são como uma caixa e sua tampa. O excesso de informações, de estímulos, nos faz esquecer da pausa, da doçura do silenciar, do aquietar.
Desaprendemos a estar com alguém em silêncio. Sentir a presença de alguém sem precisar conversar, falar, comentar. a realidade. Apenas estar presente.
Presença absoluta, sem nada extra, sem nada faltando .
Essa a experiência do silêncio que mais me fascina.
Uma vez, estava no aeroporto de Saporo, no norte do Japão, com meu mestre de transmissão, Yogo Suigan Roshi. Um aeroporto de grande movimento.
Seus outros discípulos estavam estacionando o carro e cuidando de suas bagagens. Ficamos parados nas proximidades da entrada do aeroporto, em silêncio. Foi intenso perceber o quanto este monge antigo era sábio. Estava apenas presente em cada momento. Sem pressa, sem ansiedade, sem nada especial para comentar ou falar “para passar o tempo”. Ele era o tempo. Ele era o momento. E aprendi com ele a estar presente no presente momento.
Mais do que muitas palavras, a força da quietude interna não precisa alardear sua sabedoria ou compreensão.
Podemos estar em grande intimidade, sem nada dizer.
Talvez as experiências mais profundas sejam silenciosas – quer de alegria, quer de tristeza.
Na cidade de São Paulo há muitos pássaros e seus trinados nos alegram. Mas, ao final do dia, eles se recolhem e surgem os sons da noite.
Temos de aprender a nos recolher em nós mesmos e reaprender a ouvir o grande silêncio.
Sem apego e sem aversões, ouvir o silêncio e apreciar a vida.
Mãos em prece
Monja Coen
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