Colunistas

A eterna dificuldade de se viver em sociedade

Não bastassem as dificuldades que vivemos em nossas famílias, somos obrigados a conviver com centenas ou milhares de pessoas durante nossas vidas, que nada tem a ver com o que queremos ou o que somos.

Se as diferenças entre pais e filhos, entre irmãos, cunhados, primos e agregados já nos atormentam os feriados e encontros anuais de família, o que diremos da vida diária, conectados ao porteiro, aos vizinhos, aos colegas de trabalho e a infinidade de pessoas que hoje se conectam com a nossa vida, através das redes sociais e aplicativos de celular?

Numa era em que a comunicação se tornou digital e em tempo real, aparentemente estamos mais conectados com o mundo e às pessoas, mas não nos damos conta, de que na maioria das vezes, a rapidez e quantidade de conexões influenciaram os nossos relacionamentos de forma mais negativa, do que positiva, uma vez que escutamos menos, distribuímos nossa atenção a milhares de assuntos e pessoas ao mesmo tempo, e ainda de maneira superficial e momentânea.

Perdemos os “olhos nos olhos”, o sentir a alma do outro. O “oi, tudo bem?” substituiu o verdadeiro desejo de perguntar: “Como você está?” e o parar para ouvir a resposta com vontade e atenção. E se não fazemos isto nem com os nossos, como esperar o mesmo de uma sociedade enlouquecida pela rapidez e eficiência do mundo moderno, para com nós mesmos?

Se no mundo falta interpretação de texto, falta mais interpretação do outro. Lemos nossas mensagens como queremos. Se para uns a letra maiúscula pode parecer um grito, para outros, pode chegar como um riso e ainda para outrem como um pedido de atenção. Se pessoalmente o entendimento do outro nunca é cem por cento fiel ao que se desejou, por e-mails, mensagens, fotos e áudios, nossa comunicação perdeu em discernimento, à mesma velocidade que ganhou em agilidade.

Nossa comunicação se tornou digital, nossa vida e nossos relacionamentos estão a cada dia num nível muito mais virtual do que real. Nos adaptamos e nos moldamos a uma era em que a velocidade deu abertura à superficialidade em nossas vidas. Nos tornamos, pouco a pouco, mais frios e individualistas. Sedentos de um sorriso e de um pouco de gentileza, nos rendemos a poucas mensagens aparentemente carinhosas no Whatsapp ou no Facebook. Nos contentamos com os poucos segundos de prazer que isto nos proporciona, mas nos contagiamos com esta necessidade e nos vemos em seguida no vício pelas redes sociais e aplicativos.

Tem sido difícil ser gentil e tão menos ainda demorado com nossos amigos e familiares. Sorrir ao desconhecido na rua parece que se tornou mais do que boa educação, mas um esforço diante da pressa que possuímos em cumprir todos os deveres do dia. E sofremos a consequência do que nós mesmos acabamos por fazer: não recebemos mais sorrisos, gentilezas, um olhar mais demorado e alguém que nos ouça quando queremos desabafar sobre o dia difícil ou a dor nas costas de uma noite mal dormida.

Viver se tornou esquisito. Uma lista de afazeres sem fim, objetivos e medidores de nossa própria eficiência. Até conseguimos entender a necessidade de nos tornamos tolerantes e pacientes uns com os outros, mas sofremos a dor de não sermos mais vistos ou sentidos em nossa essência, dia após dia, hora após hora, o que parece tornar nossas vidas sem vida.

Aonde iremos parar com os nossos níveis de relacionamentos? Não sabemos. Mas fato é que ninguém nasce para ser uma ilha. E mesmo com todas as dificuldades, falta de afeto e excessos de superficialidade, continuaremos nos adaptando e até mesmo aceitando e dando cada vez menos.

Pois por pior que seja viver em sociedade, sem ela simplesmente nem subsistiríamos.

Carolina Vila Nova

Brasileira, 41 anos, formada em Tecnologia em Processamento de Dados, pós-graduada em Gestão Estratégica de Pessoas. Atua numa multinacional na área administrativa como profissão. Escritora, colunista e roteirista por paixão. Poliglota. Autora de doze livros publicados de forma independente pelo Amazon, além de quatro roteiros para filme registrados na Biblioteca Nacional.

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