Neste mês, milhares de formandos em Direito que passaram na prova da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) comemoram a aprovação, uma exigência para exercer a profissão de advogado e bastante conhecida por sua dificuldade.
Para Alex de Jesus, 23 anos, descobrir que foi aprovado no exame foi um dos momentos mais felizes de sua vida. Ele comemorou a conquista na laje de casa, com vista para a comunidade Filhos da Terra, na zona norte de São Paulo, onde mora desde que se entende por gente.
Ao lado da mãe, que é empregada doméstica, do pai, que é pedreiro, e do irmão, o jovem pulou e chorou de alegria.
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A conquista extraordinária tem um sabor “especial” para o rapaz, não apenas porque ele é morador de uma comunidade carente com pouco acesso à educação de qualaidade, mas também porque Alex teve uma passagem da Fundação Casa, quando tinha 14 anos, por porte de arma de fogo.
“Passar na OAB significa muito para mim não só porque foi um grande orgulho para a família, mas pensando nesse passado, nos envolvimentos errados, em como eu poderia ter acabado indo por um outro caminho. Mostra que é possível a gente voltar pro caminho certo na vida”, disse ele à BBC News Brasil.
Após a passagem na fundação, Alex teve a oportunidade de ingressar no mundo da arte. Abraçou avidamente. E partir daí, iniciou-se um ciclo virtuoso em sua vida.
“Ali era demais, tinha um monte de cursos, várias atividades que eu podia fazer. E antes eu nem conhecia. Então eu fazia o serviço e depois de terminar continuava por lá o dia inteiro”, contou.
“Sempre perguntavam se eu queria seguir carreira no teatro, mas no Brasil viver da arte é muito difícil, né? Então eu sempre comentava isso e dizia que agora meu plano era fazer uma faculdade, conseguir um emprego”, disse. Alex então prestou direito no Enem. “Eu pensei, vou me formar e realizar o sonho da minha mãe, que sempre dizia que queria que seu filho fosse doutor.”
Desistir nunca foi uma opção e o jovem lutou até conseguir entrar na Unip, cuja mensalidade custava toda sua bolsa.
Nesse meio-tempo, ele continuou trabalhando com a cia. de teatro, e, nas conversas com a plateia, começou a falar das dificuldades que sofria para conseguir estágio. Ao final de uma dessas conversas, um homem deixou um cartão com Alex.
“Ele estava muito bem vestido, estava de roupa social, e me perguntou: ‘você está falando sério que quer um estágio? Se estiver falando sério me liga amanhã nesse número'”, conta o jovem.
“Eu nem sabia o que falar na ligação, mas liguei. E ele me conseguiu uma entrevista em um escritório de advocacia”.
Apesar da total falta de experiência profissional, Alex conseguiu a vaga graças à sua singular – e poderosa – história de vida.
“Eu era o único estagiário que não era da USP, do Mackenzie, da PUC. Lá eles me ensinaram tudo, tudo. De mexer no computador à prática do direito. Sou grato demais pela oportunidade que me deram”.
“Eu tive que correr atrás de muita coisa, porque, por mais que eu estudasse, todo mundo tinha muita bagagem que eu não tinha, sabe? De cultura mesmo, de viajar, de conhecer as pessoas, falar várias línguas. Coisas muito básicas eram diferentes – como o almoço. Eu tentava ir almoçar com o pessoal, mas não dava para ir sempre. Os outros estagiários, que não ajudavam a família, que já tinham dinheiro, iam almoçar nos restaurantes da Vila Olímpia. Eu levava marmita”, disse.
“No começo eu me sentia um peixe fora d’água mesmo, mas todo mundo me recebeu muito bem, meu chefe fazia questão de me incluir”.
Após a formatura, Alex tentou fazer a prova da OAB, mas não conseguiu passar de primeira. “Não passei na primeira fase, que exigia conhecimento em todas as áreas. Fiquei arrasado, muito mal, e não podia pagar cursinho. Achei que todas minhas esperanças iam morrer.”
Foi aí que os colegas do seu escritório lhe deram um presente – R$ 800 para Alex pagar o cursinho para prestar OAB de novo. E dessa vez ele passou – e agora é oficialmente advogado!
“Não tenho nem como colocar em palavras a importância que o teatro tem na minha vida, e a importância da chance que me deram no escritório”, contou Alex, que rejeita a pecha de exemplo de meritocracia.
“Eu me esforço muito mesmo, mas eu consegui porque tive uma oportunidade, me deram uma chance! Não existe meritocracia quando não existem oportunidades iguais, quando tantos jovens não têm oportunidade nenhuma”, completou o rapaz, que ainda mora na mesma comunidade onde cresceu.
“Outro dia um dos caras me parou e perguntou ‘como que é esse negócio aí de fazer faculdade’ e contei que é muito da hora, que minha vida mudou, que também dá para ele fazer e tal”, diz Alex, rindo.
“Fiquei muito feliz. Às vezes as pessoas nem acham que têm essa possibilidade na vida, sabe? Falta oportunidade, informação, exemplos. E é muito bom sentir que eu estou sendo um exemplo positivo.”
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Fonte: BBC
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