Por Erick Morais
O homem parece sentir enorme dificuldade em abdicar do seu eu para pensar no outro. A desimportância que o outro tem em nossas vidas é algo que nos afasta de toda proximidade conseguida através da tecnologia de que vivemos nos gabando. Essa falta de generosidade exacerbou na contemporaneidade, em que o egoísmo e o individualismo se tornaram valores quase morais, necessários à sobrevivência dos mais “fortes”.
Pascal dizia: “Como o coração do homem é oco e cheio de lixo. Porque quase sempre esta cheio de si mesmo”. Ao deixarmos de pensar no outro, deixamos de encará-lo como um ser humano, como alguém semelhante a nós e, assim, não apenas o desqualificamos como merecedor do nosso olhar, mas também a nós mesmos.
Não se trata de abdicar da sua individualidade ou de viver uma vida como a de Cristo, mas de perceber que existe algo além de nossos próprios prazeres, de nosso eu e que não há possibilidade de vida justa sem generosidade. Estender a mão para ajudar alguém que está em uma situação mais difícil do que a nossa demonstra a nossa capacidade de ir além da escravidão do ego para fazer uma coisa pelo ato em si.
É bom que se esclareça a diferença entre ser generoso e ser generoso social, isto é, aqueles que ajudam outras pessoas com o intuito de “ficarem bem na fita” são as pessoas que Kundera chama de “dançarinos”. Para ele, essas pessoas fazem pseudo-generosidades, a fim de receberem o glamour que esses atos produzem. Ser generoso, então, implica desprendimento de si próprio, ou seja, ajudar o outro pelo ato da generosidade e não porque será visto como benevolente.
No entanto, estamos quase sempre com o olhar em uma única direção, de modo que não conseguimos perceber, para lembrar Saramago, a responsabilidade de ter olhos quando os outros os perderam. Vivendo nossas vidinhas burocratizadas e hedonistas, esquecemos que, na vida, todos nós, em certo momento, precisamos da generosidade.
Seja com coisas simples, como um sorriso, um elogio ou uma ajuda com uma informação, a generosidade pode ser exercida e todos nós precisamos. Alguns podem achar os exemplos supracitados muito pequenos, mas, se analisarmos cuidadosamente, perceberemos que grandes atos começam com pequenos atos, além do que, quantas vezes nós fazemos de bom grado e por vontade própria essas coisas?
Ao contrário do que pregam, ser egoísta não demonstra força, mas antes mesquinharia e avareza de quem, podendo dar, preocupa-se tão somente em acumular. Não sabem estes que a generosidade, assim como o amor, é um ato criativo, é uma potência que gera potência, como acentuam Spinoza e Erich Fromm. Dessa forma, quando sou generoso verdadeiramente, quando, prescindo do meu eu, dou-me ao outro, não posso deixar de regozijar-me na felicidade que a generosidade traz, uma vez que:
“Ser generoso é ser livre de si, de suas pequenas covardias, de suas pequenas posses, de suas pequenas cóleras, de seus pequenos ciúmes.”
A generosidade só possui significado para aqueles que conseguem ter uma existência que transcenda a si mesmo, para que possa dar as mãos e ajudar quem precisa, sobretudo nos momentos mais duros, bem como ter o coração aberto para um ombro generoso que acolha as lágrimas que permeiam a vida.
Sendo assim, ser generoso é deixar as pequenezas de lado e ser grande. Grande para entender que a caminhada torna-se mais fácil e bela quando temos alguém que nos ajude a levantar ao cairmos e dividir uma gargalhada para alegrar a alma. Grande para ter o dom das gratuidades. Grande para ser doce, pois o segredo da generosidade é que “[…] somada à doçura, ela se chama bondade”.