Texto da Monja Coen
O budismo zen ensina que cada ato do cotidiano pode ser uma meditação, momento de refletir sobre o presente e extrair uma lição.
Juliana voltou da praia cansada. Tomou um coco gelado, comeu umas frutas e se deitou no sofá. Luciana estava no banho. Teria notado que a magoara?
Agora tudo parecia longe, distante. As ondas do mar haviam levado e lavado as faltas e os pecados do mundo.
“Está dormindo, Ju?” E Luciana foi se chegando. Também cansada. “Sabe, outro dia, Ju, desculpe, falei o que não devia. Gosto tanto de você, mas acho que tenho até um pouco de inveja – por isso falo besteiras. Vou me cuidar. Você me perdoa? Você me aceita assim tola?” Juliana não se moveu. Era como se Luciana houvesse escutado sua mente.
“Tô de boa, Lu. Deixa pra lá.” “Inveja de mim? Por quê? Pelo apartamento que herdei? Nossa, meus pais morreram num acidente feio de avião. Meu irmão ficou tetraplégico e foi morar na Suíça. Moro aqui tão sozinha. Pessoas se aproximam para tirar vantagem. Meu programa de televisão está perdendo audiência. Preciso estudar mais para terminar o curso – e deixar de faltar. O Cauê foi embora. Resolveu dar a volta ao mundo surfando. O computador pifou. Só o celular me conecta com o mundo. Ufa, inveja de quê?”
Sem querer, essa última frase saiu em voz alta. Luciana se virou para a amiga e disse: “Você é linda, rica, tem apartamento, um programa de TV para adolescentes. Enfim, você é um grande sucesso. Eu sou ninguém”.
Juliana se levantou vagarosamente e se sentou segurando a cabeça com as duas mãos. A brisa do mar era como um delicioso afago. “Olha, Lu, a primeira estrela. Vamos fazer um pedido?”, convidou ela. “O que vamos pedir?”, quis saber Luciana. De mãos dadas, de olhos cerrados, murmuraram juntas: “Que nada jamais destrua nossa amizade”. Anos e anos se passaram. Juliana agora é avó de cinco netos e três netas. Sentada naquele mesmo sofá, sozinha no apartamento antigo, vê a primeira estrela da noite. Lembra-se de Luciana. Por onde andaria?
A campainha da porta toca. Luciana entra na sala. “Olha, Lu, a primeira estrela. Vamos fazer um pedido?” E as duas senhoras, sentadas lado a lado, dão-se as mãos, fecham os olhos e murmuram juntas: “Gratidão”, enquanto uma suave gota do mar desliza por suas faces, entre suas rugas marcadas.
Quando percebemos nossos sentimentos e nossas emoções, quando conseguimos verbalizar o que sentimos, os libertamos. A verdadeira amizade permanece sem recalques, sem segredos. Na confiança de perceber e de compreender sem julgar.