Minha lembrança musical mais remota é o Choro Triste do compositor maranhense Alfredo Medeiros. Meu saudoso pai, William Arantes, foi o grande intérprete que me presenteou com essa escuta cotidiana, desde a minha mãe Bernardete (única) gestante. O pai não fazia ideia de que sua inesquecível sonoridade e fraseado equilibrado e tocante me guiaria na vida, tomaria conta de minhas emoções … Saudade de você meu herói…
William Arantes é um importante violonista clássico da história do instrumento no triangulo mineiro, região onde nasci. Estudou com o pioneiro Remy Couto, o grande mestre de uma geração apaixonada e vibrante que instituiu a cultura do violão clássico em Uberlândia a partir da década de 1960, lançando assim as bases de onde pude me criar e adquirir cultura musical, além de toda minha formação escolar em música.
O Choro-triste foi tão impressionante que me provocava profundos sentimentos em meu quarto solitário, naquelas noites de meio de semana em que meu talentoso pai chegava do Conservatório e a primeira coisa que fazia era pegar o violão e se revitalizar, naquela sala escura e também solitária, interpretando importantes obras do repertório erudito do violão, incluindo o Choro triste.
A melodia nostálgica, trazia uma sensação de um tempo realmente sofrido, mas que tinha algo especial, uma coisa única, que fazia sentir saudade. Confesso que em alguns pontos das frases, eu me sentia um intérprete, já imaginando como seriam as durações de cada nota executada pelas minhas mãos. Dava uma vontade incontrolável de eu ser o violonista, para eu fazer do jeito que eu compreendia a peça. Isso me causava uma angustia, uma ansiedade, um desejo profundo de poder dominar as cordas daquele grandioso instrumento. Nascia ali um violonista!
Após um longo período de curiosidade, estudos e adaptação ao instrumento, finalmente consegui! Meu pai havia escrito a partitura desta fabulosa obra original para violão solo, especialmente para o jovem Graciano. Na ocasião, eu deveria ter meus 14 anos de idade. Até então, foi a grande realização da minha vida! O orgulho era imenso, a satisfação pessoal superava todo sofrimento de uma criança retraída, tímida, com a autoestima baixa e cheia de complexos… o violão me fez sentir prazer em viver, o Choro triste me deu a grandeza de um ser humano realizado e finalmente, feliz!
Aos meus 16 ou 17 anos pude apresentar esta relíquia no concurso interno do Conservatório Estadual de Música de Cora Pavan Capparelli, onde fui reconhecido com o prêmio “Revelação” concedido pela banca formada por Lucielle Arantes (minha amada irmã) graduanda em Música e meu futuro professor de graduação Jodacil Damaceno, grande lenda do violão clássico latino-americano.
Quando meu nome foi anunciado para executar a peça de “livre escolha” eu tinha certeza de que aquele momento era de minha apresentação artística, não necessariamente um confronto entre violonistas. Eu queria fazer o público sentir aquelas emoções, acumuladas em minha alma, desde o conforto dos braços de minha amada mãe, até aqueles dias revolucionários que o violão pôde me proporcionar. Eu queria fazer as pessoas felizes com minha participação e sabia que aquele era o grande momento. Fui de cabeça erguida, vestido de adolescente, calça jeans camiseta azul lisa, cabelo curto bem cortadinho (como os cabelos de meu pai), passos firmes até o palco e ali foi a maior e mais sensacional apresentação de minha vida!
Abaixo, o vídeo de uma performance minha desta magnífica obra-prima, na residência de meu distinto amigo-irmão-camarada, o notável violonista uberlandense Reginaldo Silva, discípulo e grande amigo de meu pai William. Reginaldo é filho do saudoso Iraci, amigo e compadre do Mestre Remy Couto e também tem a genética violonística no ser. Noite inesquecível, com a presença de minha filha Lis e o nosso grande amigo e também músico, Wellington Dias.
Pai, mãe, irmão, namorado, amigo, eu vos suplico! Presenteiem suas crianças com um violão. Esse “simples brinquedo” cordofônico pode revolucionar a vida das pessoas!