Vejo muita gente reclamando da qualidade dos nossos deputados. Então, jovens, vamos fazer um pequeno exercício de imaginação e de realismo político.

Dois deputados, o João e o Manuel, se elegem no mesmo ano. O João é íntegro e cheio de ideias. O Manuel, nem tanto. O João permanece crítico ao governo, independente, aferrado às suas convicções. Manuel aproveita cada votação para barganhar cargos, liberação de emendas, ajuda para a campanha, proximidade com o poder, trânsito para resolver problemas de seus eleitores e apoiadores. Manuel até troca de partido para continuar apoiando o governo da vez e mantendo o acesso aos benefícios que a proximidade do poder proporciona. Se não está com o poder federal, Manuel está com o estadual, mas certamente está próximo ao poder, a qualquer poder. Não interessa muito pois tanto União quanto Estados possuem muitos mecanismos legais de cooptação de deputados. Aderir a um governo estadual, por exemplo, e votar de forma canina a favor do governador, renderá a possibilidade de nomear dezenas de cargos comissionados.

João e Manuel vão disputar as próximas eleições.

João, Dom Quixote solitário, vai na cara e a coragem, pegando empréstimo para pagar despesas de campanha. Manuel “nomeou” sessenta comissionados, logo terá sessenta cabos eleitorais. Sua lista de clientes e pessoas que lhe devem favores enche um caderno. Um terá suas ideias e integridade. O outro terá dinheiro, cabos eleitorais, favores que poderá cobrar, emendas que liberou e que serão lembradas aos eleitores da sua clientela. Quem vocês acham que terá mais chances de se eleger?

Se você teve paciência de ler as linhas acima, irá entender que nosso atual parlamento é fruto de um largo processo de involução. Quanto mais venal é um deputado, quanto mais aberto for para negociar, mais chances teve de se manter no jogo. Isto vale para todos? Certamente que não. Existem exceções. Mas vale para uma boa parte. No atual momento viram que o executivo que os alimentou e estimulou por três décadas (todos os governantes da redemocratização agiram assim, sem exceção) está ocupado por uma presidente fraca. Não vai poder dar a eles o combustível de que precisam. Também se assustaram com as manifestações e com a rejeição da opinião pública. Não tiveram dúvidas de votar pelo impedimento.

A vida é assim. Você colhe o que planta. Apoiar este sistema de milhares de cargos comissionados de livre nomeação, esta miríade de empresas estatais (são mais de 100 na esfera federal), o sistema de compra de apoios com emendas parlamentares e depois querer um parlamento mais qualificado, eu acho um contra senso. Você quer a quadratura do círculo.

Você colhe o que você planta. O presidencialismo de coalizão que temos é isso aí: você vota para deputado em qualquer um. O voto decisivo vai ser para presidente, não é? Em seguida temos um congresso sem nenhuma responsabilidade com a governabilidade. Um congresso que está ali apenas para “negociar” as vantagens que os farão novamente serem reeleitos.

Este parlamento que está aí é fruto de décadas de cooptação pelo executivo. Funcionou muito bem enquanto o chefe de governo tinha carisma e força política. E desmoronou na primeira onda de impopularidade de uma governante.

Você acha que isso se resolve apenas com financiamento público? Ok. Então refaça o exemplo acima, com o João e o Manuel e ponha na equação que os mesmos receberão a mesma quantia de financiamento público. Mesmo assim, diante dos outros fatores, quem terá mais chances de se reeleger? A equação continuará igual. Manuel terá todas as vantagens. E, a cada eleição, mais e mais membros do “baixo clero” estarão dominando o jogo.

Isto é Darwin, amigos, o cara que mostrou que seleção tem a ver com adaptação. E adaptação não quer dizer que ocorreu algo para melhor. No caso, escolhemos deliberadamente selecionar sempre os piores.

Chegamos ao congresso kakistocrático. O congresso dos piores.

São as regras que fazem a diferença. Mude as regras e quem sabe daqui a alguns anos tenhamos um parlamento melhor.

Até lá, conformem-se e economizem vossa filosofia moral.

A gente colhe somente o que planta.

Arnaldo B. S. Neto

Doutor em Direito Público pela UNISINOS-RS, professor da Faculdade de Direito da UFG.

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