Texto de Maurício Santoro
Em 2011 a ONU declarou 30 de agosto o Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados. A experiência das violações de direitos humanos na América Latina foi fundamental para estabelecer mecanismos globais contra esse crime e neste ano o tema é especialmente importante para o Brasil, por duas razões: o estabelecimento da Comissão da Verdade e a proposta do novo Código Penal, em discussão no Congresso, que pela primeira vez cria legislação específica para enfrentar desaparecimentos forçados.
O crime é difícil de definir porque combina elementos de prisões ilegais, sequestro, assassinato e ocultação de cadáveres. Foi um método repressivo utilizado com frequência pelos regimes militares das décadas de 1960-80 na América Latina, quando não reconheciam haver detido pessoas e as levavam para centros clandestinos de tortura ou de extermínio.
A partir dessa época, movimentos de direitos humanos como a Anistia Internacional começaram a se mobilizar para coibir esse tipo de atrocidade, pela pressão a governos e pela criação de acordos diplomáticos. O processo foi demorado. A primeira resolução da Assembléia Geral da ONU sobre o tema é de 1978, mas só em 2010 entrou em vigor aConvenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra Desaparecimentos Forçados. Há um tratado semelhante, no âmbito interamericano, que vigora desde 1996.
O desparecimento forçado de pessoas é definido pela ONU como a privação de liberdade executada por agentes do Estado ou por pessoas e grupos agindo com sua cumplicidade, seguida da recusa em reconhecer que o fato aconteceu e da negação em informar o paradeiro ou destino da pessoa. Quando praticado de modo sistemático contra um segmento específico da população (movimentos políticos, membros de uma religião ou etnia) é um crime contra a humanidade, que não pode ser anistiado. Os tratados internacionais proíbem os desaparecimentos forçados em qualquer circunstância, mesmo durante guerras.
Na América Latina, promotores e juízes começaram a considerar que os desaparecimentos forçados cometidos durante os regimes militares são crimes continuados, em andamento, uma vez que não se sabe o que aconteceu com as pessoas vítimas deles – elas podem, em tese, ainda estar vivas e sob detenção. Por isso, processos judiciais contra aqueles que perpetraram essas violações de direitos humanos têm sido realizados mesmo em países que continuam a considerar válidas leis de anistia que contrariam os acordos internacionais, como Chile e Uruguai. A justiça brasileira ainda resiste a essa abordagem, mas o Supremo Tribunal Federal aceitou essa perspectiva ao concordar em extraditar militares argentinos e uruguaios acusados desse crime.
No Brasil, estima-se que houve 379 mortos e desparecidos no regime militar. Em muitos casos, sobretudo os desaparecimentos forçados de combatentes da guerrilha do Araguaia, até hoje não há informações sobre o paradeiro dos restos mortais das vítimas. O governo brasileiro foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos pela omissão em fornecer esses dados e violar o direito à verdade a respeito de como esses crimes ocorreram.
Em atenção ao Dia Internacional das Vítimas de Desaparecimentos Forçados, foi produzido um vídeo por parentes dos desaparecidos políticos Stuart Angel Jones e sua mae, Zuzu Angel.
A indicação é do juiz João Marcos Buch:
“Esse é um vídeo que foi produzido por familiares de desaparecidos políticos e lançado hoje para uma campanha para lembrar do Dia internacional das Vítimas de Desaparecimento Forçado (30/08). Admirável vídeo, admiráveis pessoas.”
Maurício Santoro
Cientista político e assessor de direitos humanos da Anistia Internacional Brasil
Fonte:Anistia Internacional
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