A prática política tem padrões comuns de comportamento. Seja na Finlândia ou no Ceará, em Minas Gerais ou Goiás. Da mesma forma, a ação política também se produz de forma mais ou menos semelhante no tempo.
Seja na Antiguidade ou na Idade Média, no início do século ou na atualidade, a política serve para organizar os homens em torno do que é público e necessário. Fazer o bem é uma meta. Sobreviver nesta meta é outra.
Na história, personalidades como Moisés, Júlio César, Maquiavel, Cícero, Danton, Napoleão e tantos outros agiram de forma a comunicar ações mais ou menos permanentes.
Um destes pensadores e atores políticos, Sêneca, originário de Córdoba, fez fama e sucesso na Roma antiga. Nascido no ano 4 da Era Cristã, o orador romano encarnou a mesma figura de Cícero um século depois, desenvolvendo uma trajetória que serve de exemplo para os políticos da atualidade, por suas boas ações ou por seu comportamento que não condiz na prática com postulados éticos e morais, mas que servem, ainda assim, para extrairmos lições.
Dentro dos limites em que atuou, Sêneca viveu como todos os grandes políticos, com glórias, desafios e também um julgamento público rigoroso. Hoje, seus ensinamentos, baseados no estoicismo e em uma forma particular de prática de vida, pode ser exemplo justamente para que outros políticos não cometam os mesmos erros. Corrupção é algo que se deve evitar: o melhor é ficar rico por conta dos amigos e dos contatos. Mentir é uma fraqueza. Mas o melhor ainda é evitar falar ‘desgraças’.
Baseado em sua vida, o escritor Paul Veyne escreveu num livro seminal para entender o político e orador. “Sêneca e o estoicismo (Editora Três Estrelas, 279 páginas) revela os bastidores da política de seu tempo e servem para extrairmos pelo menos dez ensinamentos.
1- Use sua família para ganhar cargos, mas os supere
Desde que a política se instituiu como a disputa para se conquistar o espaço público, as famílias disputam espaço no cenário público. A lei proíbe apenas o nepotismo, que era, contudo, plenamente colocado em prática nos tempos de Sêneca. Mas o que se aprende com ele é superar o criador: o pai de Sêneca tinha pretensões públicas. E o irmão Gálio foi mais longe, tornando-se senador e governador da Grécia (passagem famosa diz que Gálio declinou seu poder para julgar o apóstolo Paulo, por considerar que o motivo era religioso, conforme Atos dos Apóstolos – 18, 12-16). Mais popular ainda, Sêneca chega ao Senado por conta de uma tia, esposa do governador do Egito. Qual a diferença? Ultrapassou os anseios do pai e do irmão e tornou-se universal superando seus criadores com ideais mais modernos.
2- Aproveite a educação e as oportunidades que teve
Desde o início da sua primeira infância, Sêneca se preparou para assumir grandes cargos e missões intelectuais. Tornou-se o melhor aluno de sua época, sendo um seguidor fiel do professor Átalo. Tornou-se exímio orador e dividiu suas atividades políticas com as literárias. Na arena política da época, sem as estratégias de marketing, sua inteligência convencia as pessoas pelos argumentos. Devido ao conhecimento filosófico e literário, tornou-se o melhor orador de seu tempo, sendo temido pela inteligência.
3 – Faça a política que represente sua forma de ser
Os personagens da política se diferem conforme suas ações na arena pública. Sêneca se manteve na política sem adulação, delação ou assassinato – o que era uma raridade para sua época. Para o senador, todas as pessoas devem ter uma meta ou missão a cumprir. “Não há mais miserável situação do que vir a esta vida sem se saber qual o rumo a seguir nela”.
4 – Seja rico, mas sem ostentação
Sêneca ficou rico e acumulou uma das maiores fortunas da época. Em parte, por competência de ensinar. O imperador Nero, seu aluno, o empanturrou de dinheiro. Sêneca era proprietário de 75 milhões de denários. Conforme Paul Veyne, Judas, para trair Cristo, ganhou um polpudo 30 denários – um bom salário na época. Os recursos de Sêneca equivaliam a 1/5 do orçamento de toda Roma. E mais do que isso, ele lucrava com empréstimos, sendo um verdadeiro agiota da época. Mas qual a imagem que fazia questão de propagar? A de agricultor.
5 – Não recuse os presentes do “César”. Mas saiba se está dentro da legalidade
Sêneca fazia exatamente como os políticos atuais, quando assediados pelos poderosos. Conforme Paul Veyne, “o imperador tem o dever da magnificência e cercar-se de amigos igualmente magníficos; portanto, afoga-os em riquezas. Recusar os presentes de César teria sido uma ofensa e uma afronta política; Sêneca sabe disso e o repete”.
O que se aprende com Sêneca é analisar os presentes: se forem frutos de imoralidades é de bom alvitre evitá-los, sem que o assediador perceba. Sêneca ficou milionário com as benesses de Nero, que tinha todo o poder de fazer e desfazer das terras do império. Não feriu a lei. Contudo, nos dias de hoje não seria precavido aceitar se imiscuir nos ‘esquemas’ protagonizados pelos poderosos executivos. Ele alerta que pode ser uma estratégia para também macular as ‘testemunhas’.
6 – Sejam solícitos
Parece aula de auto-ajuda para lideranças, mas a filosofia de Sêneca, o epicurismo, prega uma visão universal e ética das coisas. Isso não significa que o político não cometia equívoco e erros, mas ele não estava à serviço da produção de injustiças ou da representação de grupos específicos. Em seus discursos no Senado, Sêneca pregava a igualdade e a busca da retidão ética. Uma característica do estoicismo é a manifestação de um espírito universal único que deve pregar um amor fraternal. A regra de ouro dos estóicos era ajudarem-se uns ao outros de maneira eficaz. Assim, a política não era uma defesa de grupos específicos, mas do universal. Sêneca dizia algo completamente impensável na época: “Lembra-te, com simpatia, de que aquele a quem chamas de escravo veio da mesma origem, os mesmos céus lhe sorriem, e, em iguais termos, contigo respira, vive e morre”. O estoicismo se moldou ao cristianismo, fundando uma visão de mundo semelhante aos partidos da época: no período do senador, ou se era epicurista ou cesarista – defesa das extravagâncias e violências na política.
7 – Atenção ao estilo rebuscado e cheio de adornos
O homem público deve ser recatado em seu modo de vestir e na forma de agir. Extravagância não comunicam segurança. O homem público não é um artista. “Quando vires alguém com um estilo rebuscado e cheio de adornos podes ter a certeza de que a sua alma apenas se ocupa igualmente de bagatelas. Uma alma verdadeiramente grande é mais tranquila e senhora de si a falar, e em tudo quanto diz há mais firmeza do que preocupação estilística. Tu conheces bem os nossos jovens elegantes, com a barba e o cabelo todo aparado, que parecem acabadinhos de sair da fábrica! De tais criaturas nada terás a esperar de firme ou sólido. O estilo é o adorno da alma: se for demasiado penteado, maquiado, artificial, em suma, só provará que a alma carece de sinceridade e tem em si algo que soa a falso. Não é coisa digna de homens o cuidado extremo com o vestuário!”.
8 – Nada é tão lamentável e nocivo como antecipar desgraças
Sêneca afirma que ser portador de boas notícias é o ideal. Mas nem sempre é possível. Sendo assim, cumpre ao homem público mediar as desgraças, que podem e devem ser evitadas. Não sendo possível, cumpre evitar as reações emotivas.
9 – A felicidade é modesta e não ambiciosa
Sêneca, apesar de acumular riquezas, foi arauto da crítica ao estilo de vida das elites – as mesmas que geram os políticos da atualidade. O filósofo afirma que a visão racional conduz a percepção da modéstia: “A felicidade, ao contrário da opinião corrente, não é ambiciosa, mas sim modesta, e por isso mesmo nunca sacia ninguém. Tu pensas que aquilo que satisfaz o vulgo é elevado porque ainda estás longe da perfeição estóica; para quem a alcançou, tudo isso é absolutamente rasteiro! Minto: para quem começou a subir até esse nível, pois o ponto que tu pensas ser já o mais alto não passa de um degrau. Toda a gente é infelizmente confundida pela ignorância da verdade. Enganada pela opinião vulgar, procura como se fossem bens certas coisas que, depois de muito penar para as conseguir, verifica serem nocivas, inúteis ou inferiores ao que esperava”.
10 – Adote regras de conduta
Sêneca apresenta uma série de regras que devem ser aplicadas no cotidiano e também na vida pública. “Os estóicos são intelectualitas e professam a unidade da alma e a unidade das virtudes”, diz Paul Veyne:
“Vou indicar-te quais as regras de conduta a seguir para viveres sem sobressaltos. (…) Passa em revista quais as maneiras que podem incitar um homem a fazer o mal a outro homem: encontrarás a esperança, a inveja, o ódio, o medo, o desprezo. De todas elas a mais inofensiva é o desprezo, tanto que muitas pessoas se têm sujeitado a ele como forma de passarem despercebidas. Quem despreza o outro calça-o aos pés, é evidente, mas passa adiante; ninguém se afadiga teimosamente a fazer mal a alguém que despreza. É como na guerra: ninguém liga ao soldado caído, combate-se, sim, quem se ergue a fazer frente.
Quanto às esperanças dos desonestos, bastar-te-á, para evitá-las, nada possuíres que possa suscitar a pérfida cobiça dos outros, nada teres, em suma, que atraia as atenções, porquanto qualquer objeto, ainda que pouco valioso, suscita desejos se for pouco usual, se for uma raridade. Para escapares à inveja deverás não dar nas vistas, não gabares as tuas propriedades, saberes gozar discretamente aquilo que tens. Quanto ao ódio, ou derivará de alguma ofensa que tenhas feito (e, neste caso, bastar-te-á não lesares ninguém para o evitares), ou será puramente gratuito, e então será o senso comum quem te poderá proteger. Esta espécie de ódio tem sido perigosa para muita gente; e alguns despertaram o ódio dos outros mesmo sem razões de inimizade pessoal. Para te protegeres deste perigo recorrerás à mediania da tua condição e à brandura do teu caráter: faz com que os outros saibam que tu és um homem que não exerce represálias mesmo se ofendido; não hesites em fazer as pazes com toda a sinceridade. Ser temido, é uma situação tão ingrata em tua própria casa como no exterior (…) Para causar a tua ruína qualquer um dispõe de força que baste. E não te esqueças que quem inspira medo sente ele próprio medo: ninguém pode inspirar terror e sentir-se seguro!
Resta considerar o desprezo: mas cada um, se deliberadamente se sujeitar a ele, se goza de pouca consideração porque quer, e não porque o mereça, tem na sua mão a faculdade de regular a sua intensidade. Os inconvenientes do desprezo podem ser atenuados ou pela prática de boas ações ou pelas relações de amizade com pessoas que tenham influência sobre alguém especialmente influente; será útil cultivar tais amizades, sem no entanto nos deixarmos enredar por elas, não vá a proteção sair-nos mais cara do que o próprio risco”.
Mentor da política moderna romana
Sêneca lançou as bases da nova política romana. Inserido em um contexto de corrupção, improbidades e violências, sua participação no Senado serviu para chamar a atenção de outras formas de se fazer política.
Era ao mesmo tempo próximo dos imperadores e detentor de idéias revolucionárias para a época.
Sua morte ocorre devido a sua aproximação com a política – principalmente respeito aos opositores. O imperador Nero, a quem educou, mandou matá-lo em 65. Sêneca foi acusado de ter participado da conspiração de Pisão.
Na época, o assassínio de Nero teria sido planejado por vários desafetos.
A tradição histórica diz que Nero resolveu ele mesmo julgar os “traidores”: cada um poderia escolher ter a cabeça cortada ou cometer o suicídio.
Ao lado da esposa, Sêneca optou em se matar. Receoso das implicações com a opinião pública, Nero tentou impedir a morte da esposa de Sêneca.
A condenação foi injusta. Sêneca não “recebia” Pisão nem mantinha diálogos estreitos, apenas cerimoniosos. Mas Nero, que matou a mãe e o irmão, agora completava os prognósticos da política da época: matou o seu mentor. Era ainda a política velha, que passaria por inúmeras transformações nos séculos seguintes.